Como a mediunidade é faculdade inerente à espécie humana, a comunica-
ção entre os dois planos da vida sempre foi conhecida, desde tempos imemoriais.
Entretanto, teve de se submeter a um processo lento e gradual de evolução,
cuja história acompanha a própria evolução do Espírito. Vemos, assim, que
os primeiros habitantes do Planeta, chamavam deus a tudo o que apresentava
qualquer característica sobrenatural, qualquer coisa que lhe escapava ao entendimento,
tais como fenômenos da natureza e até habilidades percebidas em
outro indivíduo que o distinguia dos demais. Em consequência, rendiam-lhes
cultos e, por não possuir o senso moral e intelectual desenvolvido, os povos
primitivos ofereciam aos deuses sacrifícios humanos e de animais, assim como
oferendas dos frutos da terra.4
Tais cultos eram marcados por práticas anímicas e mágicas que perduraram
por milênios. Envolviam forças espirituais consideradas misteriosas e
incompreensíveis. Mas em obediência à lei do progresso, e pelo exercício do
livre-arbítrio, o homem começou a entesourar conquistas nas sucessivas experiências
reencarnatórias.
Perante tais condições, aprende a utilizar a energia espiritual da qual é
dotado, extraindo elementos do fluido cósmico universal a fi m de elaborar e
aperfeiçoar seus mecanismos de expressão e de comunicação, entre si, e com
os habitantes do mundo espiritual. Com este avanço, inicia-se o processo civilizatório,
propriamente dito, que tem o poder de modificar a face do Planeta.
Utilizando o mecanismo de cocriação em plano menor, como assinala o Espírito
André Luiz, aprende a usar “[...] o mesmo princípio de comando mental com
que as Inteligências maiores modelam as edificações macrocósmicas, que
desafiam a passagem dos milênios.”5
Na perspectiva da Doutrina Espírita, não é um simples produto das forças
cegas da evolução, mas um cidadão do universo constrangido a transformar-se
para melhor como determinam as Leis divinas.
Importa acrescentar que o processo evolutivo não foi, obviamente, executado
exclusivamente pelo indivíduo. Sempre esteve secundado pelas Inteligências
superiores, permitindo que o corpo espiritual (perispírito) se aperfeiçoasse
também e, como resultado, produzisse um veículo físico apto a alçar voos mais
altos.
À medida que o Espírito evolui, aprende a refinar as ondas do pensamento,
emitindo vibrações que atraem o pensamento e as ideias de Espíritos
semelhantes, encarnados e desencarnados, por meio dos recursos da sintonia.
Nesse processo, as suas faculdades perceptivas são ampliadas, pois o psiquismo
humano encontra-se mais bem estruturado.
Na obra Evolução em dois mundos, André Luiz afirma que a intuição foi
o sistema inicial de intercâmbio, e que a produção do pensamento contínuo
pelo Espírito — que caracteriza a emissão mental do ser humano — habilitou
o perispírito a desprender-se parcialmente nos momentos do sono reparador
do corpo físico.
A intuição foi, por esse motivo, o sistema inicial de intercâmbio, facilitando a comunhão
das criaturas, mesmo a distância, para transfundi-las no trabalho sutil da
telementação, nesse ou naquele domínio do sentimento e da ideia, por intermédio
de remoinhos mensuráveis de força mental, assim como na atualidade o remoinho
eletrônico infunde em aparelhos especiais a voz ou a fi gura de pessoas ausentes,
em comunicação recíproca na radiotelefonia e na televisão.6
Por meio de árduos esforços, o ser espiritual convence-se de que a mente
é a orientadora das necessidades evolutivas que, ao emitir projeções, envolve a
pessoa em um campo energético, espécie de “carapaça vibratória”, usualmente
denominada “aura”, uma vez que o pensamento é a força criativa que se exterioriza,
envolvendo as mentes que se encontram no seu raio de ação, mas que,
pelos mecanismos da reciprocidade, é influenciada por Espíritos, encarnados
e desencarnados, superiores e inferiores. Assim, a aura espiritual, na feição de
[...] antecâmara do Espírito [favorece] [...] todas as nossas atividades de intercâmbio
com a vida que nos rodeia, através da qual somos vistos e examinados por Inteligências
superiores, sentidos e reconhecidos pelos nossos afins, e temidos e hostilizados
ou amados e auxiliados pelos irmãos que caminham em posição inferior à nossa.7
Como tentativa de elaborar uma síntese histórica da mediunidade sugere-
-se a sequência, em seguida disponibilizada, cujos conteúdos foram inspirados
em três obras espíritas: Evolução em dois mundos, do Espírito André Luiz,
psicografia de Francisco Cândido Xavier, FEB; A caminho da luz, do Espírito
Emmanuel, psicografia de Francisco Cândido Xavier, FEB; e O espírito e o tempo
— Introdução Antropológica do Espiritismo, de Herculano Pires. Editora Edicel.
• Mediunidade primitiva: a intuição é a mediunidade inicial; o médium
é idólatra; adora ou teme as forças da natureza, nomeadas como “deuses”:
sol, céu, lua, estrelas, chuva, árvores, rios, fogo, ser humano que
se destaca na comunidade.
• Mediunidade tribal: desenvolve-se uma mentalidade mediúnica coletiva:
crença grupal em Espíritos ou deuses. Aparecem as concepções
de céu-pai (o criador ou o fecundador) e terra-mãe (a geratriz, a que
foi fecundada pelo criador).
• Fetichismo: forma mais aprimorada do mediunismo tribal, apresentando
forte colorido anímico, pelo culto aos fetiches ou objetos materiais
que representam a Divindade ou os Espíritos. Surge a fi gura do
curandeiro ou feiticeiro, altamente respeitada e reverenciada, amada
e temida pelos demais membros da tribo ou clã. Em algum momento,
estas práticas se desdobraram em outras, conhecidas atualmente: vodu
e magia negra.
• Mediunismo mitológico: a prática mediúnica caracteriza-se pela presença
dos mitos (simbolismo narrativo da criação do universo e dos
seres) e pela magia (práticas mediúnicas e anímicas de forte conotação
ritualística).
• Mediunismo oracular: é o mediunismo que aparece no período da
história humana considerado como início da civilização: é politeísta e
religioso. Cultuados pela sociedade, os deuses (Espíritos) fazem parte
de uma sociedade hierarquizada, onde há um deus maior (Zeus),
que vivem em locais específicos (Olimpo). Tais deuses são imortais,
poderosos, mas têm paixões típicas dos homens mortais: ódio, amor,
rancor, compaixão. Cada deus governa uma parte da terra ou dos
seres terrestres. Os oráculos constituem o cerne de toda a atividade
humana, nada se faz sem consultá-los. A Grécia torna-se o centro da
mediunidade oracular, sendo que o oráculo de Delfos é o mais famoso
— o oráculo pode representar a divindade (que fala por voz direta),
podia estar encarnada em um médium, ou ocupar temporariamente o seu corpo para se manifestar; mas pode utilizar um objeto do templo
(estátua, por exemplo), elementos da natureza, ou manifestar-se
naturalmente ao médium, então denominado pitonisa, na forma de
domínio psíquico ou corporal.
• Na Antiguidade, segundo Emmanuel, a mediunidade apresenta as
seguintes características:
• Face externa ou exotérica – de natureza politeísta, teatral, supersticiosa,
repleta de magia, destinada às manifestações públicas.
• Face interna ou esotérica – de essência monoteísta, envolvendo graus
de árdua iniciação, e praticada no interior dos templos por médiuns
(magos, pitonisas etc.), genericamente denominados “iniciados”, que
são mantidos sob supervisão de sacerdotes.
A prática mediúnica dos iniciados surgiu com mais ênfase não só entre
os gregos, mas também entre outros povos, como os seguintes:
a) egípcios – a
mediunidade de cura é especialmente relatada em O livro dos mortos, mas os
fenômenos de emancipação da alma eram especialmente conhecidos e praticados;
b) hindus – em os Vedas encontram-se descritas todas as etapas da
iniciação mediúnica e do intercâmbio com os Espíritos. Os hindus se revelam
como mestres no domínio de práticas anímicas, tais como faquirismo, desdobramento
espiritual;
c) judeus – mediunidade é natural, revela-se exuberante
na Bíblia, que apresenta uma significativa variedade, os de efeitos físicos e
os de efeitos inteligentes. O profetismo é o tipo de mediunismo que mais se
destaca e que marca o surgimento da primeira religião revelada: o Judaísmo.
Neste cenário surge a fi gura notável de Moisés, médium de vários e poderosos
recursos, a quem Deus concedeu a missão de trazer ao mundo o Decálogo ou
Os Dez mandamentos da Lei divina.
Ainda de acordo com Emmanuel, a proibição de intercâmbio com os
mortos contida no Deuteronômio 8
justifica-se, pois
[...] em vista da necessidade de afastar a mente humana de cogitações prematuras.
Entretanto, Jesus, assim como suavizara a antiga lei da justiça inflexível com
o perdão de um amor sem limites, aliviou as determinações de Moisés, vindo ao
encontro dos discípulos saudosos.9
No Novo Testamento, os apóstolos e discípulos de Jesus demonstram maior
entendimento da mediunidade que, manifestada aos borbotões, é utilizada
para auxiliar o próximo. Trata-se de uma guinada histórica excepcional, pois, a partir daí até o surgimento do Espiritismo, a mediunidade é considerada
instrumento de melhoria espiritual, não de domínio ou de poder. O dia de
Pentecostes caracterizado por ser o maior feito mediúnico conhecido, até então
(Atos dos apóstolos, 2: 1 a 13).
Na Idade Média, a mediunidade é perseguida pela ignorância e fanatismo,
e os médiuns são submetidos a suplícios atrozes, em geral, condenados a
morrer queimados nas fogueiras, pois as decisões inquisitoriais consideravam
as manifestações dos Espíritos ação de forças diabólicas. O martírio a que inúmeros médiuns foram submetidos, principalmente por efeito da ignorância,
prossegue ainda nos primeiros dias do Espiritismo, quando estiveram sujeitos
a toda sorte de experiências sendo, muitas vezes, denominados charlatões,
embusteiros, mistificadores ou desequilibrados mentais.
Por desinformação, ainda hoje percebe-se que em certas comunidades
religiosas fechadas os médiuns são considerados entidades diabólicas ou que
mantém relações com o demônio.
A História registra o Auto de Fé em Barcelona, no qual trezentos volumes
de brochuras espíritas foram queimadas por ordem do Bispo da Província, em
9 de outubro de 1861, na tentativa infrutífera de destruir a nova doutrina que
surgia, cuja origem e natureza, ainda não eram compreendidas. Contudo, podemos
afirmar sem medo de errar: “[...] São chegados os tempos em que todas
as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido [...]”,10 conforme
esclarece o Espírito de Verdade no prefácio de O evangelho segundo o espiritismo.
Léon Denis lembra, a propósito, que os adversários do Espiritismo ainda
continuarão a difamá-lo por muito tempo, mas os médiuns, definidos “[...] operários
do plano divino, rasgaram o sulco e nele depositaram a semente donde
se há de erguer a seara do futuro.”11 E Kardec ensina, por sua vez:
Como intérpretes do ensino dos Espíritos, os médiuns devem desempenhar
importante papel na transformação moral que se opera. Os serviços que podem
prestar guardam proporção com a boa diretriz que imprimam às suas faculdades,
porque os que se enveredam por mau caminho são mais nocivos do que úteis à
causa do Espiritismo.12
_____________________________
4 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Q. 667 a 673, p. 299-302, 2013.
5 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Evolução em dois mundos. Primeira parte, it. Cocria-
ção em plano menor, cap. 1, p. 23, 2013.
6 XAVIER, Francisco Cândido. Evolução em dois mundos. Primeira parte, cap.17, it. Mediunidade
inicial, p. 133, 2013
7 Id. Ibid., p. 132
8 Bíblia de Jerusalém. DEUTERONÔMIO, 18:9 a 22, p. 281.
9 XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Cap. 9, p. 33, 2012.
10 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. “Prefácio”, p. 11, 2013.
11 DENIS, Léon. No invisível. Terceira parte, cap. XXV, p. 540, 2008.
12 KARDEC, Allan. Op. Cit. Cap. XXVIII, it. 9, p. 337, 2013.
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