quinta-feira, 25 de maio de 2017

O BEM E O MAL / CÓDIGO PENAL DA VIDA FUTURA

CAPÍTULO III – O BEM E O MAL

Fonte do bem e do mal – O instinto e a inteligência  – Destruição dos seres vivos, uns pelos outros


FONTE DO BEM E DO MAL



1. – Deus sendo o princípio de todas as coisas e, este princípio sendo toda sabedoria, toda bondade, toda justiça, tudo que procedendo do que deva participar destes atributos, já que é infinitamente sábio, justo e bom, jamais poderia produzir algo insensato, de maldade ou de injustiça. O mal que observamos não deve, pois, ter sua fonte n’Ele.

2. – Se o mal estiver nas atribuições de um ser especial que se denomine Ariman ou Satã, das duas, uma, ou este Ente seria igual a Deus e, por consequência, também poderoso e eterno como Ele, ou lhe seria inferior.

No primeiro caso, admitir-se-iam dois poderes rivais, lutando sem cessar, cada qual a destruir o que o outro faça e se contrapondo mutuamente. Esta hipótese é inconciliável com a unidade de vida que se revela na disposição do Universo.

No segundo caso, se este ente for inferior a Deus, estar-lhe-á subordinado; não podendo, assim, se tornar eterno como Ele, sem que Lhe seja igual, será, pois, um princípio; se ele foi criado, não poderia ter sido por Deus; Deus teria, assim, criado o Espírito do mal, o que seria a negação de sua infinita bondade. (a)

3. – Conforme certa doutrina, (b) o Espírito do mal, criado bom, seria transformado em mal e Deus, para lhe punir ter-lhe-ia condenado a se tornar eternamente malvado, e lhe teria dado por missão seduzir os homens a fim de lhes induzir o mal; opulência uma só queda podendo merecer-lhe os mais cruéis castigos eternos, sem esperança de perdão, haveria aí mais que uma falta de bondade, porém, uma crueldade premeditada, pois por encontrar a sedução mais fácil e melhor ocultar a armadilha, Satã estaria autorizado a se transformar em anjo de luz e a simular as mesmas obras divinas até mesmo se equivocar. Seria de séria inquietude e imprevidência da parte de Deus, pois toda liberdade confiada a Satã de sair do império das trevas e de se entregar aos prazeres mundanos para arrastar os homens, o provocador do mal teria menor punição que as vítimas de suas astúcias que sucumbe por fraqueza, uma vez que, no abismo, de lá não mais poderiam sair. Deus lhe recusa um vidro de água por mitigar-lhe a sede e, durante toda a eternidade decide, ele e seus anjos, seus queixumes sem se deixar comover, ao passo que permite a Satã todo o gozo que desejar.

Dentre todas as doutrinas sobre a teoria do mal, esta, sem dúvida, seria a mais irracional e a mais injuriosa para a divindade. (Ver Céu e Inferno – Cap. X – Os demônios)

4. – Entretanto, o mal existe e possui uma causa.

O mal é de todas as sortes. Há, em princípio, o mal físico, o mal moral, além disso, os males que o homem pode evitar e os que são independentes de sua vontade. Entre estes, é preciso colocar os flagelos naturais.

Em suas faculdades, o homem é limitado, não pode penetrar nem se abranger conjuntamente à visão do Criador; julga as coisas ao ponto de vista de sua personalidade, dos interesses de facções e de convenções que cria e que não estão absolutamente na ordem natural; é por isso que ele encontra frequentemente maldades e injustiça que considera justa e admirável, se visse a causa, a meta e o resultado definitivo. Procurando a razão de ser e a utilidade de cada coisa. Ele reconhecerá que tudo leva a marca da sabedoria infinita e se curvará ante tal sabedoria, mesmo pelas coisas que não compreenda.

5. – O homem recebeu como quinhão uma inteligência com o auxílio da qual pode conjurar, ou, pelo menos, atenuar grandemente os efeitos de todos os flagelos naturais; mais ele adquire em saber e avança em civilização, menos estes flagelos se tornam desastrosos; com uma organização social sabiamente previdente, ele poderá, até, neutralizar tais consequências, já que nem poderão ser evitados inteiramente. Assim, pelos seus próprios flagelos que possuam suas próprias utilidades na ordem geral da natureza e pelo futuro, porém, que ferem no presente, Deus tendo dado ao homem, por suas faculdades das quais deu seu Espírito, os meios de assim paralisar os efeitos.

É assim que se saneiam os sítios insalubres, que se neutralizam os miasmas empestados, que se fertilizam as terras incultas e engenha a preservação de inundações; que se constroem habitações mais saídas, mais sólidas para resistir aos ventos tão necessários à depuração da atmosfera, que se põe ao abrigo das intempéries; é assim, finalmente, que, pouco a pouco, a necessidade faz criar as ciências para auxílio dos quais aperfeiçoa as condições de habitabilidade do globo e amplia a soma de seu conforto.

O homem devendo progredir, os males aos quais está exposto, são um estímulo para o exercício de sua inteligência, de todas as suas faculdades físicas e morais, convidando-o à pesquisa dos meios de se preservar. Se nada houvesse que recear, nenhuma necessidade o levaria à pesquisa do que seja melhor; ele se entorpeceria na iniciativa de seu espírito; nada inventaria e nada descobriria. A dor é o aguilhão que impulsiona o homem adiante na estrada do progresso.

6. – Todavia, os males mais numerosos são aqueles que o homem a si criou pelos seus próprios vícios, os provenientes de seu orgulho, de seu egoísmo, de sua ambição, da cupidez, de seus excessos em tudo: eis, pois, a causa das guerras e das calamidades que arrastam, dissensões, injustiças, opressão do fraco pelo forte, enfim, da maioria das doenças.

Deus estabeleceu leis plenas de sabedoria que não têm senão por alvo o bem; o homem encontra em si mesmo tudo o que se torna necessário para a sequência; sua rota é traçada por sua consciência; a lei divina fica gravada em seu coração; além do mais, Deus os faz chamar sem interrupção, por seus messias e seus profetas, pelos Espíritos encarnados que receberam missão de clarear, de moralizá-lo, de aperfeiçoá-lo, e nestes últimos tempos, pela multidão de Espíritos desencarnados que se manifestam em todas as partes. Se os homens se conformassem rigorosamente às leis divinas, não seria incerto que ele evitaria os males mais pungentes e que, como tal, viveria venturoso sobre a terra. Se não o faz, é em virtude (decorre) do seu livre arbítrio e, em súbito, as consequências. (c)

7. – Contudo, Deus, pleno de bondade, colocou o remédio ao lado do mal, a dizer que do próprio mal faz nascer o bem. Chega um momento em que o excesso do mal moral se torna intolerável e faz sentir ao homem a necessidade de trocar de vida; instruído pela experiência, ele é compelido a procurar um remédio no bem, sempre por um efeito do seu livre arbítrio; logo que entra em um caminho melhor, é feito por sua vontade e porque reconheceu as inconveniências do outro caminho. A necessidade o obriga, pois, a se aperfeiçoar moralmente em via de ser mais feliz como esta mesma necessidade o tenha forçado a aperfeiçoar s condições materiais de sua existência.

Pode-se dizer que o mal é a ausência do bem, como o frio é a abstinência do quente. O mal não é mais um atributo distinto assim como o frio não é um fluido especial; um vem a ser a negação do outro. No lugar em que o bem não existe, haverá forçosamente o mal; não fazer o mal já é o começo do bem. Deus só quer o bem. Do homem, somente, é que provém o mal. Se houvesse na Criação um ser preposto ao mal, o homem não o poderia evitar; contudo, sendo o homem a causa do mal em si próprio e possuindo, ao mesmo tempo, seu livre arbítrio e por guia as leis divinas, ele o evitará quando bem entender.

Tomemos um fato vulgar para comparação. Um proprietário sabe que a extremidade do seu campo é um sítio perigoso onde poderá perecer ou se ferir quem por lá se aventurar. Que faz ele para se prevenir dos acidentes? Coloca próximo do lugar um aviso portando proibição para se ir mais além por causa do perigo. Eis a lei; ela é sábia e previdente. Se, apesar disso, um imprudente não tiver dado conta e ultrapasse o local, dando-se mal, a quem poderá ele responsabilizar senão a si próprio?

Assim o é com todo mal. O homem o evitaria se observasse as leis divinas. Deus, por exemplo, colocou um limite à satisfação das necessidades; o homem fica advertido pela saciedade; se ultrapassar esse limite fá-lo-á voluntariamente. As doenças, as fraquezas do corpo, a morte que pode advir delas, são, pois, seu feito e não oriundo de Deus.

8. – O mal, sendo o resultado das imperfeições do homem e sendo o homem criado por Deus, este Deus dir-se-á, pelo menos, se não criou o mal, pelo menos, terá criado a causa dele; se fizesse o homem perfeito, o mal não existiria.

Tivesse sido o homem criado perfeito ele seria fatalmente portador do bem; ora, em virtude de seu livre arbítrio, ele não é obrigatoriamente portador nem do bem nem do mal. Deus quis que ele fosse submetido à lei do progresso e que tal progresso fosse fruto do seu próprio trabalho, a fim de que o mérito fosse seu, mesmo portando a responsabilidade do mal que é feito por sua vontade. A questão, pois, é de saber qual é, no homem, a fonte da propensão ao mal (1).

9. – Se estudarmos todas as paixões, e mesmo, todos os vícios, veremos que eles têm seus princípios no instinto de conservação. Este instinto encontra-se, com toda sua força nos animais e entre os seres primitivos que mais se aproximam da animalidade; aí, domina sozinho, porque, entre eles ainda não existe o contrapeso do senso moral; o ser ainda não nasceu para a vida intelectual. O instinto se debilita, ao contrário, à medida que a inteligência se desenvolve, porque assim domina a matéria; com a inteligência racional, nasce o livre arbítrio o qual o homem usa a seu capricho; então, exclusivamente cabe a ele a responsabilidade dos seus atos.

10. – O destino do Espírito é a vida espiritual; mas, na primeira fase de suas existência corpórea, ele só possui necessidades materiais para satisfazer, e, para tal, o exercício das paixões e uma necessidade de conservação da espécie e dos indivíduos, materialmente falando. Porém, saindo deste período, possui outras necessidades, necessidades a princípio semi-morais e semi-materiais, e depois, exclusivamente morais. É, então, que o Espírito domina a matéria; ele se sacode em cativeiro, avança pela vida providencial e se aproxima de seu destino final. Se, ao contrário, ele se deixa dominar pela matéria, ele se retarda na assimilação da estupidez. Nesta situação, o que era outrora um bem, porque representava uma necessidade da sua natureza, torna-se em mal, não apenas porque seja uma necessidade, mas porque se torna nocivo à espiritualização do ser. O mal é assim relativo, e a responsabilidade proporcional ao grau de adiantamento.

Todas as paixões têm, dessa forma, sua utilidade providencial, sem o que Deus teria feito algo inútil e desnecessário; é o abuso que constitui o mal, e o homem abusa decorrente do seu livre arbítrio. Mais tarde, esclarecido pelo seu próprio interesse, ele escolhe livremente entre o bem e o mal.

O INSTINTO E A INTELIGÊNCIA


11. – Qual a diferença entre o instinto e a inteligência? Onde termina um e começa outra? O instinto é ele uma inteligência rudimentar, ou então uma faculdade distinta, um atributo exclusivo da matéria?

O instinto é a força oculta que leva os seres orgânicos a atos espontâneos e involuntários, visando à sua conservação. Nos atos instintivos, não existe nem reflexão, nem combinação, nem premeditação. É assim que a planta procura o ar, volta-se para a luz, encaminha suas raízes para a água e a terra nutritiva; que a flor se abre e se fecha alternativamente conforme a necessidade; que as plantas trepadeiras se enroscam em volta do apoio, ou se penduram com suas gavinhas. É pelo instinto que os animais são advertidos do que lhes seja útil ou nocivo; que eles se dirigem, conforme as estações, para os climas propícios; que eles constroem, sem lições preliminares, com maior ou menor arte, de acordo com a espécie, seus ninhos macios e abrigos para sua prole, engenhos para pegar em armadilhas a presa com a qual se nutrem; que manejam com destreza as armas ofensivas e defensivas de que são dotados; que os sexos se reaproximam; que a mãe esconde seus filhotes e que estes procurem o seio materno. Entre os homens, o instinto o domina exclusivamente no começo da vida; é por instinto que a criança faz seus primeiros movimentos, que se agarram à nutrição, que gritam para exprimir seus desejos, que imita o som da voz, que se ensaia à fala e a caminhar. Entre os adultos, mesmo, certos atos são instintivos; tais são os movimentos espontâneos para se aparar de um risco, para se livrar de um perigo, para se manter em equilíbrio; tais são ainda, a piscadela das pálpebras para moderar a claridade da luz, a abertura instintiva da boca para respirar, etc.

12. – A inteligência se revela por atos voluntários, refletidos, premeditados, combinados conforme a oportunidade das circunstâncias. É incontestavelmente um atributo exclusivo da alma.

Todo ato maquinal é instintivo; o que denota a reflexão e a combinação é a inteligência; um é livre a outra não o é.

O instinto é um guia seguro que não se engana nunca; a inteligência, por sua vez, por ser livre, está sujeita a erros.

Se o ato instintivo não tem o caráter do ato inteligente, ele revela, entretanto uma causa inteligente essencialmente previdente. Admitindo-se que o instinto tem sua fonte na matéria, torna-se preciso admitir que a matéria seja inteligente, mais seguramente inteligente até e previdente que a alma, já que o instinto não se engana, ao passo que a inteligência se engana.

Si se considera o instinto como uma inteligência rudimentar, como se quer que seja, em certos casos, superior à inteligência racional? Que lhe dá a possibilidade de executar coisas que ele próprio não pode produzir?

Se ele é um atributo de um princípio espiritual especial, o que causa este princípio? Depois que o instinto se apaga, este princípio seria, pois destruído? Se os animais só são dotados de instinto, seu porvir fica sem resultante; seus sofrimentos não têm nenhuma compensação; Não seria conforme nem à justiça nem à bondade de Deus.

13. – Conforme um outro sistema, o instinto e a inteligência teriam um só e mesmo princípio; chegado a um certo grau de desenvolvimento, este princípio que, à primeira vista, teria apenas as qualidades do instinto, experimentaria uma transformação que lhe daria as da inteligência livre; receberia, numa palavra, o que se convencionou chamar de faísca divina. Esta transformação não seria súbita, mas gradual, de tal sorte que, durante um certo período, estaria misturado das duas aptidões, a primeira diminuindo à medida que a segunda aumentasse.

14. – Enfim, uma outra hipótese, que, de resto, se alia perfeitamente à ideia de unidade de princípio, ressalta o caráter essencialmente preventivo do instinto e concorda com o que o Espiritismo nos ensina, atingindo os relatórios do mundo espiritual e do mundo corporal.

Sabe-se, atualmente que os espíritos desencarnados têm por missão velar pelos encarnados, pois, eles são os protetores e os guias; que os cumulam com seus eflúvios fluídicos; que o homem atua frequentemente de uma maneira inconsciente sob ação desses eflúvios.

Sabe-se, ainda que, o instinto, que ele próprio produz dos atos inconscientes, predomina entre as crianças e, em geral, entre os seres em que a razão é frágil. Ora, de acordo com esta hipótese, o instinto não seria um atributo nem da alma nem da matéria; ele não pertenceria absolutamente ao ser vivo, mas, seria um efeito da ação direta dos protetores invisíveis que supririam a imperfeição da inteligência, provocando, eles próprios, os atos inconscientes necessários à conservação do ser. Seria como o limite à ajuda daqueles em sustentação à criança que ainda não sabe caminhar. Mas assim mesmo, suprime-se gradualmente o uso do apoio à medida que a criança se mantenha só, os espíritos protetores deixam-no por si de lhes proteger à medida que possam se guiar pela própria inteligência.

Assim, o instinto, longe de ser o produto de uma inteligência rudimentar e incompleta, seria a atuação de uma inteligência estranha na plenitude de sua força, suprindo a insuficiência, seja de uma inteligência mais jovem que ela compeliria a fazer inconscientemente para seu bem o que fosse ainda incapaz de fazer por si própria, seja de uma inteligência madura, mas momentaneamente tolhida no uso de suas faculdades, assim como tem lugar no homem durante sua infância e nos casos de idiotice e de afecções mentais.

Diz-se proverbialmente que há um Deus para as crianças, os loucos e os ébrios; tal dito é mais que verdadeiro do que se creia; este Deus não é senão o Espírito protetor que vela pelo ser incapaz de se proteger por sua própria razão.

15. – Nesta ordem de ideias, podemos ir mais longe. Esta teoria, por mais racional que seja, não resolve todas as dificuldades da questão. Para reencontrar as causas, é preciso estudar os efeitos e pela natureza dos efeitos pode-se concluir a natureza da causa.

Observando-se os efeitos do instinto, distingue-se, a princípio, uma unidade de vista e de conjunto, uma segurança de resultados que não existe mais desde que o instinto é trocado pela inteligência livre; ademais, à apropriação tão perfeita e tão constante das faculdades instintivas às necessidades de cada espécie, reconhece-se uma profunda sabedoria. Esta unidade de visão não poderia existir sem a unidade de pensamento e, por com consequência com a multiplicidade das causas atuantes. Ora, para sequência do progresso que cumprissem incessantemente as inteligências individuais, há entre elas uma diversidade de aptidões e de vontades incompatível com esse conjunto tão perfeitamente harmonioso que se produziu após a origem dos tempos e em todos os climas, com uma regularidade e uma precisão matemáticas, sem jamais causar defeito. Esta uniformidade no resultado das faculdades instintivas é um fato característico que acarreta forçosamente a unidade da causa; se esta causa fosse inerente a cada individualidade, haveria tanto variedade de instinto quanto de indivíduos, desde os vegetais até o homem. Um efeito geral, uniforme e constante, deve ter uma causa geral uniforme e constante; um efeito que acuse a sabedoria e a previdência deve ter uma causa sábia e previdente. Ora, uma causa sábia e previdente, sendo necessariamente inteligente, jamais poderá ser material.

Não encontrando nas criaturas encarnadas ou desencarnadas, as qualidades necessárias para produzir um tal resultado, torna-se preciso remontar mais alto, a saber, ao próprio Criador. Si se reportar à explicação que foi dada sobre a maneira pela qual se pode conceber a ação providencial (cap. II, n° 25); si se figurar todos os seres penetrados do fluido divino, soberanamente inteligente, compreender-se-á a sabedoria previdente e a unidade de visão que presidem a todos os movimentos instintivos para o bem de cada um. Esta solicitude é igualmente mais ativa quando o indivíduo tem menos recursos próprios em sua inteligência; é por isso que ela se mostra maior e mais absoluta entre os animais e os entes inferiores que nos homens.

Desta teoria compreende-se que o instinto seja um guia sempre seguro. O instinto maternal, o mais nobre de todos, que o materialismo rebaixa ao nível das forças atrativas da matéria, encontra-se relevado e enobrecido. Em razão de suas consequências, não seria preciso que fosse liberado às eventualidades caprichosas da inteligência e do livre arbítrio. Pelo órgão da mãe, Deus, ele mesmo, vela sobre os nascituros.

16. – Esta teoria não destrói de nenhuma maneira o papel dos Espíritos protetores cujo concurso é um fato obtido e provado pela experiência; mas é de notar que a ação desses aí é essencialmente individual; que se modifica conforme as qualidades próprias do protetor e do protegido e que em nenhuma parte não tem a uniformidade e a generalidade do instinto. Deus, em sua sabedoria, conduz, ele próprio, os cegos, mas ele confia a inteligências livres a sorte de conduzir os que enxergam a fim de deixar para cada um a responsabilidade de seus atos. A missão dos Espíritos protetores é um dever que eles aceitam voluntariamente e que é para eles um meio de adiantamento segundo a maneira pela qual eles realizam.

17. – Todas estas maneiras de encarar o instinto são necessariamente hipotéticas, e algumas não têm um caractere suficiente de autenticidade para se dar como solução definitiva. A questão será certamente resolvida um dia, quando tiver reunido os elementos de observação que faltam ainda; até lá é preciso se limitar a submeter as opiniões diversas ao cadinho da razão e da lógica, e esperar que a luz se faça; a solução que mais se aproxima da verdade, será necessariamente aquela que corresponda ao máximo aos atributos de Deus, isto é, à soberana bondade e à soberana justiça (ver cap. II, n°. 19)

18. – O instinto sendo o guia e as paixões a mola das almas no primeiro período de seu desenvolvimento, confunde-se algumas vezes com seus efeitos, e, sobretudo, na linguagem humana que não se presta sempre suficientemente à expressão de todos os matrizes. Há, entretanto entre estes dois princípios, diferenças que se tornam essenciais considerar.

O instinto é um guia seguro, sempre bom; a seu tempo, torna-se inútil, mas jamais nocivo; ele se debilita pela predominância da inteligência.

As paixões, nas primeiras idades da alma, têm tal coisa de comum com o instinto, que os seres aí são solicitados por uma força igualmente inconsciente. Elas nascem mais particularmente das necessidades do corpo e têm mais que o instinto com o organismo. O que as distingue, sobretudo, do instinto, é que são individuais e não produzem, como este último, efeitos gerais e uniformes; vê-se os ao contrário variar de intensidade e de natureza conforme os indivíduos. São úteis como estimulante, até a eclosão do senso moral que, de um ser passivo faz um ser racional; neste momento, elas se tornam não mais somente inúteis, mas nocivas ao adiantamento do Espírito pois retardam a desmaterialização; elas se debilitam com o desenvolvimento da razão.

19. – O homem que só agisse constantemente por instinto, poderia ser muito bom, mas deixaria dormir sua inteligência; seria como o menino que não deixasse os limitadores e não saberiam se servir de seus membros. O que não domina suas paixões pode ser muito inteligente, mas, ao mesmo tempo muito malvado. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões não se dominam senão pelo esforço da vontade.

Todos os homens têm passado pela fieira das paixões; os que não as tenham mais, que não sejam por natureza nem orgulhosos nem ambiciosos, nem egoístas, nem rancorosos, nem vingativos, nem cruéis, nem coléricos, nem sensuais, que fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é que têm progredido na sequência de suas existências anteriores; eles estão purgados da gurma (d). É injustiça quando se diz que eles têm menos mérito por fazer o bem do que os que tenham que lutar contra suas tendências; para eles, a vitória é alcançada; para os outros ainda não o é e quando o for, serão como os outros: a seu turno, farão o bem sem nele pensar, como crianças que leem correntemente sem mais ter necessidade de soletrar; são como dois males, pois, um está curado e cheio de força, enquanto que o outro está ainda em convalescença e hesita em caminhar; são, enfim, como dois corredores onde um está mais próximo da meta que o outro.

DESTRUIÇÃO DOS SERES VIVOS UNS PELOS OUTROS


20. – A destruição recíproca dos seres vivos é uma lei da natureza, que ao primeiro encontro parece tão pouco quanto possível se conciliar com a bondade de Deus. Pergunta-se por que tê-lo-ia feito uma necessidade de se interdestruírem para se nutrirem na dependência uns dos outros.

Para aquele que não vê que a matéria que limita sua visão à vida presente, a isto parece, com efeito, uma imperfeição na obra divina; de onde, esta conclusão que a tiram os incrédulos, que Deus não sendo perfeito, não exista Deus. É que julgam a perfeição de Deus pelo seu ponto de vista; seu próprio julgamento é a medida de sua sabedoria e pensam que Deus não teria melhor feito do que eles mesmos. Sua curta visão, não lhes permitindo julgar de acordo, eles não compreendem que uma boa realidade pode sair de um mal aparente. O conhecimento do princípio espiritual, considerado em sua essência verdadeira, e da grande lei de unidade que constitui a harmonia da Criação, pode somente dar ao homem a chave deste mistério e lhe mostrar a sabedoria providencial e a harmonia precisamente, além, onde ele veria apenas uma anomalia e uma contradição. Ele está para esta verdade como uma multidão de outros; o homem não está apto de sondar certas profundezas até que seu espírito se encontre em um degrau suficiente de maturidade.

21. – A verdadeira vida, tanto do animal quanto a do homem, não mais está no envoltório corporal como não estaria numa veste; ela está no princípio inteligente que pré-existe e sobrevive ao corpo. Este princípio tem carência do corpo para se desenvolver pelo trabalho que deva executar sobre a matéria bruta; o corpo se consome neste trabalho, mas o espírito não se consome, ao contrário: ele o sai a cada vez mais fortalecido, mais lúcido e mais capaz. Que importa, pois que o espírito troque mais ou menos vezes de envoltório! Não se torna menos Espírito; é absolutamente como se um homem renovasse cem vezes suas vestes por ano; não menos seria o mesmo homem.

Pelo espetáculo incessante da destruição, Deus ensina aos homens o pouco caso que devam fazer do envoltório material e suscita neles a idéia da vida espiritual fazendo-lhe com que a deseje como uma compensação.

Deus, dir-se-á, não poderia chegar ao mesmo resultado por outros meios, e sem sujeitar os seres vivos a destruírem entre si? Bastante temerário aquele que pretenda penetrar nos desígnios de Deus! Se tudo é sabedoria em sua obra, devemos supor que tal sabedoria não deva apresentar nenhum defeito sobre este aspecto como sobre quaisquer outros; se não o compreendemos, devemos nos prender a nosso pouco adiantamento. Contudo, podemos tentar, em busca da razão, tomando por bússola este princípio: Deus deve ser infinitamente justo e sábio; procuremos, pois, em toda sua justiça e sua sabedoria e curvemo-nos ante o que excede nosso entendimento.

22. – Uma primeira utilidade que se apresenta nesta destruição, utilidade puramente física, em verdade, é esta: os corpos orgânicos só se conservam com a ajuda das matérias orgânicas, tais matérias contendo apenas os elementos nutritivos necessários à sua transformação. Os corpos, instrumentos da ação do princípio inteligente, tendo necessidade de ser incessantemente renovados, a Providência os faz servir à sua manutenção mútua; é por aí que os seres se nutrem uns dos outros; é então que os corpos se nutrem dos corpos, mas o Espírito não se torna destruído nem alterado; ele, apenas se torna desprovido de seu envoltório.

23. – Está em outra das considerações morais de uma ordem mais elevada.

A luta é necessária ao desenvolvimento do Espírito; é na luta que ele exerce suas faculdades. O que ataca por ter sua nutrição e o que se defende para conservar sua vida rivalizam-se em astúcia e inteligência e aumentam, por eles mesmos, suas forças intelectuais. Um dos dois sucumbe; mas, o que é que o mais forte ou o mais sagaz tirou do mais fraco em realidade? Seu vestuário de carne, sem outra coisa; o Espírito, que não está morto, retomará a si um outro mais tarde.

24. – Nos seres inferiores da Criação, naqueles em que o senso moral não existe ou a inteligência não tenha ainda instalado o instinto, a luta não saberia ter por motivo senão a satisfação duma necessidade material; ora, uma das necessidades materiais mais imperiosas é a da nutrição; eles lutam, pois, unicamente para viver, ou seja, por tomar ou defender uma presa, porque não seriam seres estimulados por um motivo mais elevado. É neste primeiro período que a alma se elabora e se ensaia para a vida. Assim que ela atinge o degrau da maturidade necessária para sua transformação, recebe de Deus novas faculdades: o livre arbítrio e o senso moral, a centelha divina, em uma palavra, que dão um novo curso a suas ideias, dotando-a de novas aptidões e de novas percepções.

Mas as novas faculdades morais das quais ela é dotada desenvolvem-se apenas gradualmente porque nada é brusco na natureza; há um período de transição onde o homem se distingue somente do estúpido; nas primeiras idades, o instinto animal domina e a luta tem ainda por motivo a satisfação das necessidades materiais; mais tarde, o instinto animal e o sentimento moral se contrabalançam; o homem, então, luta, não mais para se nutrir, mas para satisfazer sua ambição, seu orgulho, sua necessidade de domínio: para isto, é preciso ainda destruir. Mas à medida que o senso moral se torna superior, a sensibilidade se desenvolve, a necessidade da destruição diminui; acaba, mesmo, por se apagar e por tornar-se odioso: o homem tem horror do sangue.

Contudo a luta é sempre necessária ao desenvolvimento do Espírito, porque, mesmo chegado a este ponto que nos parece culminante está longe de ser perfeito; é, apenas, um prêmio de sua atividade que ele obtém dos conhecimentos, da experiência e que se despoja dos últimos vestígios da animalidade; mas, então a luta, de sanguinária e brutal que era, torna-se puramente intelectual; o homem luta contra as dificuldades e não mais contra seus semelhantes. (2)

NOTAS

(1) O erro consiste em pretender que a alma sairia perfeita das mãos do Criador, então que este, ao contrário, tenha querida que a perfeição fosse o resultado da depuração gradual do Espírito e sua obra própria. Deus quis que a alma, em virtude de seu livre arbítrio, pudesse optar entre o bem e o mal, e que ela chegará a seus objetivos finais por uma vida militante e resistindo ao mal. Se Ele fizesse a alma perfeita como ele próprio, em saindo das suas mãos, tendo associado à sua beatitude eterna, lê teria feito não à sua imagem mas semelhante a ele mesmo, tal como já dissemos. Conhecendo todas as coisas em virtude da sua essência e sem ter nada aprontado, mudado por um sentimento de orgulho, nascido da consciência de seus atributos divinos. Ela teria sido arrastada a negar sua origem, a desconhecer o autor de sua existência, e estaria constituída em estado de rebelião, de revolta para com seu Criador. (Bonnamy, juiz de instrução: A razão do Espiritismo, cap. VI)

(2) Esta questão se prende àquela, não menos grave, em relação à animalidade e à humanidade, que será tratada ulteriormente. Nós, apenas, quisemos demonstrar por esta explicação, que a destruição dos seres vivos de uns pelos outros, não invalida em nada a sabedoria divina e que tudo se encaixa nas leis da natureza. Está encadeado e necessariamente quebrado si se fizer a abstração do princípio espiritual; é porque tanto questões são insolúveis quanto só se considere a matéria.

KARDEC, Allan — A Gênese: Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo — edição nº 39 — Editora FEB (Federação Espírita Brasileira) — Capítulo: 03 O Bem e o Mal – Origem do Bem e do Mal 


CÓDIGO PENAL DA VIDA FUTURA [*]

O Espiritismo não vem, pois, com sua autoridade privada, formular um código de fantasia; a sua lei, no que respeita ao futuro da alma, deduzida das observações do fato, pode resumir-se nos seguintes pontos:

1º – A alma ou Espírito sofre na vida espiritual as consequências de todas as imperfeições que não conseguiu corrigir na vida corporal. O seu estado, feliz ou desgraçado, é inerente ao seu grau de pureza ou impureza.

2º – A completa felicidade prende-se à perfeição, isto é, à purificação completa do Espírito. Toda imperfeição é, por sua vez, causa de sofrimento e de privação de gozo, do mesmo modo que toda perfeição adquirida é fonte de gozo e atenuante de sofrimentos.

3º – Não há uma única imperfeição da alma que não importe funestas e inevitáveis consequências, como não há uma só qualidade boa que não seja fonte de um gozo.

A soma das penas é, assim, proporcionada à soma das imperfeições, como a dos gozos à das qualidades.

A alma que tem dez imperfeições, por exemplo, sofre mais do que a que tem três ou quatro; e quando dessas dez imperfeições não lhe restar mais que metade ou um quarto, menos sofrerá.

De todo extintas, então a alma será perfeitamente feliz. Também na Terra, quem tem muitas moléstias, sofre mais do que quem tenha apenas uma ou nenhuma. Pela mesma razão, a alma que possui dez perfeições, tem mais gozos do que outra menos rica de boas qualidades.

4º – Em virtude da lei do progresso que dá a toda alma a possibilidade de adquirir o bem que lhe falta, como de despojar-se do que tem de mau, conforme o esforço e vontade próprios, temos que o futuro é aberto a todas as criaturas. Deus não repudia nenhum de seus filhos, antes recebe-os em seu seio à medida que atingem a perfeição, deixando a cada qual o mérito das suas obras.

5º – Dependendo o sofrimento da imperfeição, como o gozo da perfeição, a alma traz consigo o próprio castigo ou prêmio, onde quer que se encontre, sem necessidade de lugar circunscrito.

O inferno está por toda parte em que haja almas sofredoras, e o céu igualmente onde houver almas felizes.

6º – O bem e o mal que fazemos decorrem das qualidades que possuímos. Não fazer o bem quando podemos e, portanto, o resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez como pelo bem que deixou de fazer na vida terrestre.

7º – O Espírito sofre pelo mal que fez, de maneira que, sendo a sua atenção constantemente dirigida para as consequências desse mal, melhor compreende os seus inconvenientes e trata de corrigir-se.

8º – Sendo infinita a justiça de Deus, o bem e o mal são rigorosamente considerados, não havendo uma só ação, um só pensamento mau que não tenha consequências fatais, como não na uma única ação meritória. um só bom movimento da alma que se perca, mesmo para os mais perversos, por isso que constituem tais ações um começo de progresso.

9º – Toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga; se o não for em urna existência, sê-lo-á na seguinte ou seguintes, porque todas as existências são solidárias entre si. Aquele que se quita numa existência não terá necessidade de pagar segunda vez.

10º – O Espírito sofre, quer no mundo corporal, quer no espiritual, a consequência das suas imperfeições. As misérias, as vicissitudes padecidas na vida corpórea, são oriundas das nossas imperfeições, são expiações de faltas cometidas na presente ou em precedentes existências.

Pela natureza dos sofrimentos e vicissitudes da vida corpórea, pode julgar-se a natureza das faltas cometidas em anterior existência, e das imperfeições que as originaram.

11º – A expiação varia segundo a natureza e gravidade da falta, podendo, portanto, a mesma falta determinar expiações diversas, conforme as circunstâncias, atenuantes ou agravantes, em que for cometida.

12º – Não há regra absoluta nem uniforme quanto à natureza e duração do castigo: – a única lei geral é que toda falta terá punição, e terá recompensa todo ato meritório, segundo o seu valor.

13º – A duração do castigo depende da melhoria do Espírito culpado.

Nenhuma condenação por tempo determinado lhe é prescrita. O que Deus exige por termo de sofrimentos é um melhoramento sério, efetivo, sincero, de volta ao bem.

Deste modo o Espírito é sempre o árbitro da própria sorte, podendo prolongar os sofrimentos pela pertinácia no mal, ou suavizá-los e anulá-los pela prática do bem.

Uma condenação por tempo predeterminado teria o duplo inconveniente de continuar o martírio do Espírito renegado, ou de libertá-lo do sofrimento quando ainda permanecesse no mal. Ora, Deus, que é justo, só pune o mal enquanto existe, e deixa de o punir quando não existe mais (1); por outra, o mal moral, sendo por si mesmo causa de sofrimento, fará este durar enquanto subsistir aquele, ou diminuirá de intensidade à medida que ele decresça.

(1) Vede cap. VI, nº 25, citação de Ezequiel.

14º – Dependendo da melhoria do Espírito a duração do castigo, o culpado que jamais melhorasse sofreria sempre, e, para ele, a pena seria eterna.

15º – Uma condição inerente à inferioridade dos Espíritos é não lobrigarem o termo da provação, acreditando-a eterna, como eterno lhes parece deva ser um tal castigo. (2)

(2) Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se o limite das neves perpétuas; o eterno gelo dos pólos; também se diz o secretário perpétuo da Academia, o que não significa que o seja ad perpetuam, mas unicamente por tempo ilimitado. Eterno e perpétuo se empregam, pois, no sentido de indeterminado. Nesta acepção pode dizer-se que as penas são eternas, para exprimir que não têm duração limitada; eternas, portanto, para o Espírito que lhes não vê o termo.

16º – O arrependimento, conquanto seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são precisas a expiação e a reparação.

Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências. O arrependimento suaviza os travos da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação.

17º – O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se for tarde, porém, o culpado sofre por mais tempo.

Até que os últimos vestígios da falta desapareçam, a expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que lhe são consequentes, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte, ou ainda em nova existência corporal.

A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal. Quem não repara os seus erros numa existência, por fraqueza ou má-vontade, achar-se-á numa existência ulterior em contacto com as mesmas pessoas que de si tiverem queixas, e em condições voluntariamente escolhidas, de modo a demonstrar-lhes reconhecimento e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha feito. Nem todas as faltas acarretam prejuízo direto e efetivo; em tais casos a reparação se opera, fazendo-se o que se deveria fazer e foi descurado; cumprindo os deveres desprezados, as missões não preenchidas; praticando o bem em compensação ao mal praticado, isto é, tornando-se humilde se se tem sido orgulhoso, amável se se foi austero, caridoso se se tem sido egoísta, benigno se se tem sido perverso, laborioso se se tem sido ocioso, útil se se tem sido inútil, frugal se se tem sido intemperante, trocando em suma por bons os maus exemplos perpetrados. E desse modo progride o Espírito, aproveitando-se do próprio passado. (1)

(1) A necessidade da reparação é um princípio de rigorosa justiça. que se pode considerar verdadeira lei de reabilitação morai dos Espíritos. Entretanto, essa doutrina religião alguma ainda a proclamou. Algumas pessoas repelem-na porque acham mais cômodo o poder quitarem-se das más ações por um simples arrependimento, que não custa mais que palavras, por meio de algumas fórmulas; contudo, crendo-se, assim, quites, verão mais tarde se isso lhes bastava. Nós poderíamos perguntar se esse principio não é consagrado pela lei humana, e se a justiça divina pode ser inferior à dos homens? E mais, se essas leis se dariam por desafrontadas desde que o indivíduo que as transgredisse, por abuso de confiança, se limitasse a dizer que as respeita infinitamente.

Por que hão de vacilar tais pessoas perante uma obrigação que todo homem honesto se impõe como dever, segundo o grau de suas forças?

Quando esta perspectiva de reparação for inculcada na crença das massas, será um outro freio aos seus desmandos, e bem mais poderoso que o inferno e respectivas penas eternas, visto como interessa a vida em sua plena atualidade, podendo o homem compreender a procedência das circunstâncias que a tornam penosa, ou a sua verdadeira situação.

18º – Os Espíritos imperfeitos são excluídos dos mundos felizes, cuja harmonia perturbariam. Ficam nos mundos inferiores a expiarem as suas faltas pelas tribulações da vida, e purificando-se das suas imperfeições até que mereçam a encarnação em mundos mais elevados, mais adiantados moral e fisicamente. Se se pode conceber um lugar circunscrito de castigo, tal lugar é, sem dúvida, nesses mundos de expiação, em torno dos quais pululam Espíritos imperfeitos, desencarnados à espera de novas existências que lhes permitam reparar o mal, auxiliando-os no progresso.

19º – Como o Espírito tem sempre o livre-arbítrio, o progresso por vezes se lhe torna lento, e tenaz a sua obstinação no mal. Nesse estado pode persistir anos e séculos, vindo por fim um momento em que a sua contumácia se modifica pelo sofrimento, e, a despeito da sua jactância, reconhece o poder superior que o domina.

Então, desde que se manifestam os primeiros vislumbres de arrependimento, Deus lhe faz entrever a esperança. Nem há Espírito incapaz de nunca progredir, votado a eterna inferioridade, o que seria a negação da lei de progresso, que providencialmente rege todas as criaturas.

20º – Quaisquer que sejam a inferioridade e perversidade dos Espíritos, Deus jamais os abandona. Todos têm seu anjo de guarda (guia) que por eles vela, na persuasão de suscitar-lhes bons pensamentos, desejos de progredir e, bem assim, de espreitar-lhes os movimentos da alma, com o que se esforçam por reparar em uma nova existência o mal que praticaram. Contudo, essa interferência do guia faz-se quase sempre ocultamente e de modo a não haver pressão, pois que o Espírito deve progredir por impulso da própria vontade, nunca por qualquer sujeição.

O bem e o mal são praticados em virtude do livre-arbítrio, e, conseguintemente, sem que o Espírito seja fatalmente impelido para um ou outro sentido.

Persistindo no mal, sofrerá as consequências por tanto tempo quanto durar a persistência, do mesmo modo que, dando um passo para o bem, sente imediatamente benéficos efeitos.

OBSERVAÇÃO – Erro seria supor que, por efeito da lei de progresso, a certeza de atingir cedo ou tarde a perfeição e a felicidade pode estimular a perseverança no mal, sob a condição do ulterior arrependimento: primeiro porque o Espírito inferior não se apercebe do termo da sua situação; e segundo porque, sendo ele o autor da própria infelicidade, acaba por compreender que de si depende o fazê-la cessar; que por tanto tempo quanto perseverar no mal será infeliz; finalmente, que o sofrimento será intérmino se ele próprio não lhe der fim. Seria, pois, um cálculo negativo, cujas consequências o Espírito seria o primeiro a reconhecer. Com o dogma das penas irremissíveis é que se verifica, precisamente, tal hipótese, visto como é para sempre interdita qualquer ideia de esperança, não tendo pois o homem interesse em converter-se ao bem, para ele sem proveito.

Diante dessa lei, cai também a objeção extraída da presciência divina, pois Deus, criando uma alma, sabe efetivamente se, em virtude do seu livre-arbítrio, ela tomará a boa ou a má estrada; sabe que ela será punida se fizer o mal; mas sabe também que tal castigo temporário é um meio de fazê-la compreender o erro, cedo ou tarde entrando no bom caminho. Pela doutrina das penas eternas conclui-se que Deus sabe que essa alma falirá e, portanto, que está previamente condenada a torturas infinitas.

21º – A responsabilidade das faltas é toda pessoal, ninguém sofre por erros alheios, salvo se a eles deu origem, quer provocando-os pelo exemplo, quer não os impedindo quando poderia fazê-lo.

Assim, o suicida é sempre punido; mas aquele que por maldade impele outro a cometê-lo, esse sofre ainda maior pena.

22º – Conquanto infinita a diversidade de punições, algumas há inerentes à inferioridade dos Espíritos, e cujas consequências, salvo pormenores, são pouco mais ou menos idênticas.

A punição mais imediata, sobretudo entre os que se acham ligados à vida material em detrimento do progresso espiritual, faz-se sentir pela lentidão do desprendimento da alma; nas angústias que acompanham a morte e o despertar na outra vida, na consequente perturbação que pode dilatar-se por meses e anos.

Naqueles que, ao contrário, têm pura a consciência e na vida material já se acham identificados com a vida espiritual, o trespasse é rápido, sem abalos, quase nula a turbação de um pacífico despertar.

23º – Um fenômeno mui frequente entre os Espíritos de certa inferioridade moral é o acreditarem-se ainda vivos, podendo esta ilusão prolongar-se por muitos anos, durante os quais eles experimentarão todas as necessidades, todos os tormentos e perplexidades da vida.

24º – Para o criminoso, a presença incessante das vitimas e das circunstâncias do crime é um suplício cruel.

25º – Espíritos há mergulhados em densa treva; outros se encontram em absoluto insulamento no Espaço, atormentados pela ignorância da própria posição, como da sorte que os aguarda. Os mais culpados padecem torturas muito mais pungentes por não lhes entreverem um termo.

Alguns são privados de ver os seres queridos, e todos, geralmente, passam com intensidade relativa pelos males, pelas dores e privações que a outrem ocasionaram. Esta situação perdura até que o desejo de reparação pelo arrependimento lhes traga a calma para entrever a possibilidade de, por eles mesmos, pôr um termo à sua situação.

26º – Para o orgulhoso relegado às classes inferiores. é suplício ver acima dele colocados, cheios de glória e bem-estar, os que na Terra desprezara. O hipócrita vê desvendados, penetrados e lidos por todo o mundo os seus mais secretos pensamentos, sem que os possa ocultar ou dissimular; o sátiro, na impotência de os saciar, tem na exaltação dos bestiais desejos o mais atroz tormento; vê o avaro o esbanjamento inevitável do seu tesouro, enquanto que o egoísta, desamparado de todos, sofre as consequências da sua atitude terrena; nem a sede nem a fome lhe serão mitigadas, nem amigas mãos se lhe estenderão às suas mãos súplices; e pois que em vida só de si cuidara, ninguém dele se compadecerá na morte.

27º – O único meio de evitar ou atenuar as consequências futuras de uma falta, está no repará-la, desfazendo-a no presente. Quanto mais nos demorarmos na reparação de uma falta, tanto mais penosas e rigorosas serão, no futuro, as suas consequências.

28º – A situação do Espírito, no mundo espiritual, não é outra senão a por si mesmo preparada na vida corpórea.

Mais tarde, outra encarnação se lhe faculta para novas provas de expiação e reparação, com maior ou menor proveito, dependentes do seu livre-arbítrio; e se ele não se corrige, terá sempre uma missão a recomeçar, sempre e sempre mais acerba, de sorte que pode dizer-se que aquele que muito sofre na Terra, muito tinha a expiar; e os que gozam uma felicidade aparente, em que pesem aos seus vícios e inutilidades, paga-la-ão mui caro em ulterior existência. Nesse sentido foi que Jesus disse: – “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados,” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V.)

29º – Certo, a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega. O culpado que ela atinge não fica exonerado, e, enquanto não houver satisfeito à justiça, sofre a consequência dos seus erros. Por infinita misericórdia, devemos ter que Deus não é inexorável, deixando sempre viável o caminho da redenção.

30º – Subordinadas ao arrependimento e reparação dependentes da vontade humana, as penas, por temporárias, constituem concomitantemente castigos e remédios auxiliares à cura do mal. Os Espíritos, em prova, não são, pois, quais galés por certo tempo condenados, mas como doentes de hospital sofrendo de moléstias resultantes da própria incúria, a compadecerem-se com meios curativos mais ou menos dolorosos que a moléstia reclama, esperando alta tanto mais pronta quanto mais estritamente observadas as prescrições do solícito médico assistente. Se os doentes, pelo próprio descuido de si mesmos, prolongam a enfermidade, o médico nada tem que ver com isso.

31º – As penas que o Espírito experimenta na vida espiritual ajuntam-se as da vida corpórea, que são consequentes às imperfeições do homem, às suas paixões, ao mau uso das suas faculdades e à expiação de presentes e passadas faltas. z na vida corpórea que o Espírito repara o mal de anteriores existências, pondo em prática resoluções tomadas na vida espiritual. Assim se explicam as misérias e vicissitudes mundanas que, à primeira vista, parecem não ter razão de ser. Justas são elas, no entanto, como espólio do passado – herança que serve à nossa romagem para a perfectibilidade. (1)

(1) Vede 1ª’ Parte, cap. V, “O purgatório”, nº 3 e seguintes; e, após, 2ª Parte, cap. VIII, “Expiações terrestres”. Vede, também, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, “Bem-aventurados os aflitos”.

32º – Deus, diz-se, não daria prova maior de amor às suas criaturas, criando-as infalíveis e, por conseguinte, isentas dos vícios inerentes à imperfeição? Para tanto fora preciso que Ele criasse seres perfeitos, nada mais tendo a adquirir, quer em conhecimentos, quer em moralidade. Certo, porém, Deus poderia fazê-lo, e se o não fez é que em sua sabedoria quis que o progresso constituísse lei geral. Os homens são imperfeitos, e, como tais, sujeitos a vicissitudes mais ou menos penosas. E pois que o fato existe, devemos aceitá-lo.

Inferir dele que Deus não é bom nem justo, fora insensata revolta contra a lei.

Injustiça haveria, sim, na criação de seres privilegiados, mais ou menos favorecidos, fruindo gozos que outros porventura não atingem senão pelo trabalho, ou que jamais pudessem atingir. Ao contrário, a justiça divina patenteia-se na igualdade absoluta que preside à criação dos Espíritos; todos têm o mesmo ponto de partida e nenhum se distingue em sua formação por melhor aquinhoado; nenhum cuja marcha progressiva se facilite por exceção: os que chegam ao fim, tem passado, como quaisquer outros, pelas fases de inferioridade e respectivas provas.

Isto posto, nada mais justo que a liberdade de ação a cada qual concedida. O caminho da felicidade a todos se abre amplo, como a todos as mesmas condições para atingi-la. A lei, gravada em todas as consciências, a todos é ensinada. Deus fez da felicidade o prêmio do trabalho e não do favoritismo, para que cada qual tivesse seu mérito.

Todos somos livres no trabalho do próprio progresso, e o que muito e depressa trabalha, mais cedo recebe a recompensa. O romeiro que se desgarra, ou em caminho perde tempo, retarda a marcha e não pode queixar-se senão de si mesmo.

O bem como o mal são voluntários e facultativos: livre, o homem não é fatalmente impelido para um nem para outro.

33º – Em que pese à diversidade de gêneros e graus de sofrimentos dos Espíritos imperfeitos, o código penal da vida futura pode resumir-se nestes três princípios:

1º – O sofrimento é inerente à imperfeição.

2º – Toda imperfeição, assim como toda falta dela promanada, traz consigo o próprio castigo nas consequências naturais e inevitáveis: assim, a moléstia pune os excessos e da ociosidade nasce o tédio, sem que haja mister de uma condenação especial para cada falta ou indivíduo.

3º – Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da vontade, pode igualmente anular os males consecutivos e assegurar a futura felicidade.

A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra: – tal é a lei da Justiça Divina.


[*] Allan Kardec, O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo, Parte Primeira, Cap. VIII.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Deus

1. Concepção religiosa de Deus 


A ideia de Deus é inata, acompanha o progresso humano e sempre esteve relacionada à manifestação da religiosidade do homem. Evoluiu das crenças politeístas — fundamentadas na existência de vários deuses — , para o conceito monoteísta, presente nas diferentes religiões reveladas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo ), segundo as quais Deus é um ser supremo, infinito,perfeito, criador do Universo, causa primeira e fim de todas as coisas.

Em geral, as religiões monoteístas são concordantes em três aspectos relacionados aos atributos divinos: onipotência (poder absoluto sobre todas as coisas); onipresença (poder divino de estar presente em todos lugares, ao mesmo tempo); e onisciência (poder de tudo saber). Esses e outros atributos divinos são encontrados nos respectivos livros sagrados — fonte de referência de cada religião. 

Assim, no Judaísmo temos a Bíblia Judaica ou Tanakh1 — composta pelos ensinamentos da Torah (Leis), do livro dos Profetas e do livro dos Ensinos. A concepção de Deus no Judaísmo é exclusivamente monoteísta. O Deus de Israel é cognominado por dois nomes principais, na Bíblia. Um é YHWH (Yahweh), o outro nome, é Eloim — palavra hebraica utilizada para designar divindades e poderes celestiais, em especial Deus único, do Tanakh e da Bíblia Cristã. Na Torá está escrito no livro Gênesis (Bereshit): “No princípio criou Elohim aos céus e a terra”.

O judaísmo é considerado a primeira religião monoteísta a aparecer na face da Terra. Tem como crença principal a existência em Deus único, criador de tudo o que existe no Planeta e fora deste, no Universo. Para os judeus, Deus fez uma aliança com os hebreus, tornando-os povo escolhido, e prometendo-lhes a terra prometida. Com base nos registros de suas escrituras sagradas, acredita-se que por volta de 1800 a.C., o patriarca Abraão recebeu um sinal de Deus para abandonar o politeísmo e que fosse viver em Canaã ( atual Palestina). 

A fé judaica é praticada em várias regiões do mundo, porém é no estado de Israel que se concentra um grande número de praticantes.

A Bíblia Sagrada ou Cristã2 é a principal fonte dos ensinamentos religiosos no Ocidente. Difere em alguns aspectos da Bíblia judaica, mas mantém a divisão em duas seções: Velho ou Antigo Testamento — também conhecido como Escrituras Hebraicas, constitui a primeira grande parte da Bíblia cristã, e a totalidade da Bíblia hebraica. Os escritos foram redigidos em hebraico ou aramaico. A tradição cristã divide o Antigo Testamento em outras partes, e reordena os livros, dividindo-os em categorias: Lei, História, Poesia (ou livros de sabedoria) e Profecias.

O Novo Testamento relata a história de Jesus e da constituição do Cristianismo. É o nome dado à coleção de livros que compõem a segunda parte da Bíblia cristã. Seu conteúdo foi escrito após a morte de Jesus Cristo e é dirigido explicitamente aos cristãos, embora dentro da religião cristã tanto o Antigo quanto o Novo Testamento sejam considerados, em conjunto, Escrituras Sagradas. Os livros que compõem essa segunda parte da Bíblia foram escritos à medida que o cristianismo era difundido no mundo antigo, refletindo e servindo como fonte para a teologia das doutrinas cristãs . Trata-se de uma coleção de 27 livros que influenciou não apenas a religião, a política e a filosofia, mas também deixou sua marca permanente na literatura, na arte e na música. Os textos originais foram escritos por seus respectivos autores a partir do ano 42 d.C., em grego koiné, a língua franca da parte oriental do Império Romano, onde também foram compostos.

Cristo é o termo usado em português para traduzir a palavra grega Χριστός (Khristós) que significa “Ungido”. O termo grego, por sua vez, é uma tradução do termo hebraico מָשִׁחי) ַMāšîaḥ), transliterado para o português como Messias. A palavra é normalmente interpretada como o apelido de Jesus por causa das várias menções a “Jesus Cristo” na Bíblia. A palavra é, na verdade, um título, daí o seu uso tanto em ordem direta “Jesus Cristo” como em ordem inversa “Cristo Jesus”, significando neste último O Ungido, Jesus. Os seguidores de Jesus são chamados de cristãos porque acreditam que Jesus é o Cristo, ou Messias, sobre quem falam as profecias da Tanakh (que os cristãos conhecem como Antigo Testamento). A maioria dos judeus rejeita essa reivindicação e ainda espera a vinda do Cristo [...]. A maioria dos cristãos espera pela segunda vinda de Cristo quando acredita que Ele cumprirá o resto das profecias messiânicas. (http:// pt.wikipedia. org/wiki/Cristo)

Alcorão3 é o livro sagrado do Islamismo, religião monoteísta que surgiu na Península Arábica no século VII, baseada nos ensinamentos religiosos transmitidos pelo Anjo Gabriel ao profeta Maomé (Muhammad). 

O Islã ou Islamismo crê que Allah (Alá) é o único Deus, todo poderoso, o misericordioso. Assim islã significa submeter-se à lei e à vontade de Allah, ou seja, os seguidores do Islã devem revelar total submissão a Deus. 

Alá é uma palavra formada pelo AL (A) e IDÁ (Divindade). Nome dado a Deus pelos mulçumanos, e que eles empregam como exclamação “Meu Deus!”

A mensagem do Islamismo, referente a Deus e à vontade divina, é revestida de admirável simplicidade: para atingir a salvação basta acreditar num único Deus (Allah), rezar cinco vezes por dia, voltado para a direção de Meca (cidade sagrada), submeter-se ao jejum anual no mês do Ramadan (“jejum’) — que acontece no nono mês lunar do calendário muçulmano, considerado tempo de renovação da fé, da prática mais intensa da caridade, e vivência profunda da fraternidade e dos valores da vida familiar. Neste período pede-se ao crente maior proximidade com os valores sagrados, leitura mais assídua do Alcorão, frequência à mesquita, correção pessoal e autodomínio, pagar dádivas ou tributos ritualísticos e, se possível, fazer peregrinação à cidade de Meca, pelo menos uma vez na vida. 

Há outras interpretações religiosas existentes no Planeta, muitas delas derivadas direta ou indiretamente desse núcleo monoteísta. Temos, assim, o Avesta4 dos zoroastrianos; o Livro de Mórmon5 dos mórmons, denominados “os santos dos últimos dias”; o livro do Guru Granth Sahib6 , do sikhismo; o Bayán (ou Exposição)7 , dos baybismos (ou babis); e o Kitáb-i-Aqdas8 dos praticantes da Fé Bahá’í.

2. Concepção filosófica de Deus 


Para Léon Denis, o grande filósofo espírita do passado, a ideia de Deus “[...] se afirma e se impõe, fora e acima de todos os sistemas, de todas as filosofias, de todas as crenças”.9 Importa considerar, porém, que, ainda que a crença em Deus esteja fundamentada nos ensinamentos de uma dada religião ou filosofia, é preciso admitir que tal compreensão se amplia com o tempo, à medida que o homem evolui.

Por mais “legalista” que seja uma religião, por mais que se aferre aos dogmas e às interpretações literais da mensagem espiritual, o progresso humano imprime modificações, ainda que a essência dos ensinamentos permaneça inalterada. Dessa forma, o que era considerado inadmissível no passado, às vezes nem tão longínquo, é aceito no mundo atual. 

Esta é a principal razão de se acreditar que o futuro nos brindará com uma crença universal em Deus, independentemente do seguimento religioso a que o crente se encontre filiado. Além da ideia de Deus, outros conceitos espirituais serão também objeto de entendimento pacífico, devido à visão universalista que o homem espiritualmente amadurecido terá da religião. Concordamos, pois, com Denis, quando ele afirma que

Deus é maior que todas as teorias e todos os sistemas. Deus é soberano a tudo. O Ser divino escapa a toda a denominação e a qualquer medida e, se lhe chamamos Deus, é por falta de um nome maior, assim o disse Victor Hugo [1802–1885]. A questão sobre Deus é o mais grave de todos os problemas suspensos sobre nossas cabeças e cuja solução se liga, de maneira restrita, imperiosa, ao problema do ser humano e do seu destino, ao problema da vida individual e da vida social.9

O moderno estudo filosófico das religiões enfatiza a análise das revelações religiosas à luz da razão. Sendo assim, a filosofia da religião, enquanto disciplina filosófica, investiga nas crenças religiosas princí- pios universais (como a ideia de Deus), com o objetivo de determinar se são justificados, separando-os das práticas teológicas e ritualísticas. 

Para melhor compreender o conceito de filosofia da religião, lembramos o que a respeito foi ensinado pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724–1804), considerado o pai da ética moderna, mas que foi proibido pelo rei Frederico Guilherme II, da Prússia, em 1792, de dar aulas ou escrever sobre Deus e religião, por considerar as ideias do filósofo muito avançadas para a época. Hoje, contudo, o pensamento de Kant é naturalmente aceito, como se percebe no texto que se segue, escrito por ele:

A religião (considerada subjetivamente) é o conhecimento de todos os nossos deveres como mandamentos divinos. Aquela em que devo saber de antemão que alguma coisa é um mandamento divino, para reconhecê-lo como meu dever, é a religião revelada (ou que exige uma revelação). Ao contrário, aquela em que devo saber de antemão que alguma coisa é um dever antes que possa reconhecê-lo como mandamento de Deus, é a religião natural. [...] Disso decorre que uma religião pode ser a religião natural ao mesmo tempo que é também revelada, se for construída de tal modo que os homens pudessem ou devessem chegar a ela graças unicamente ao uso da razão [...]. Disso decorre que uma revelação dessa religião num tempo e local determinado poderia ser sábia e proveitosa para o gênero humano, na condição contudo que [...] cada um possa se convencer daí em diante da verdade que ela comporta para si e para a própria razão. Nesse caso, a religião é objetivamente religião natural, embora subjetivamente seja revelada.10

Os religiosos mais esclarecidos apoiam tranquilamente essas ideias de Kant, que nos apresenta uma visão racional e, ao mesmo tempo, universalista. Com base em princípios filosóficos semelhantes, a Filosofia da Religião construiu um sistema que trata da natureza ou atributos de Deus — assim como de outros princípios religiosos básicos, cuja síntese está registrada em seguida.

Teísmo 

Teísmo (do grego Théos, significa Deus) é a doutrina que etimologicamente se refere à crença na existência de um ser ou seres superiores. O sentido mais difundido na sociedade, a partir do século XVII, é a existência de um único Deus, ser absoluto e transcendental que se manifesta no mundo por meio de Sua Providência (a Providência Divina). Faz oposição ao ateísmo, que nega a existência da Divindade, e à doutrina panteísta que admite seja cada ser uma parcela de Deus.11

A existência de Deus no teísmo pode ser provada pela razão, prescindindo da revelação, mas não a nega. Seu ramo principal é o teísmo cristão, que fundamenta a crença em Deus na Sua revelação sobrenatural, presente na Bíblia. Pode-se afirmar, portanto, que o teísmo “[...] é um aspecto essencial do espiritualismo [...] contemporâneo, especialmente na sua reação ao idealismo romântico, que é sempre tendencialmente panteísta.”12 

Há três formas de conceber a manifestação teísta: 
a) politeísta — crença em vários deuses (exemplo: religiões primitivas e animistas); 
b) monoteísta — crença na existência de um único Deus, Criador Supremo (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, e crenças daí derivadas); 
c) henoteísmo — crença em vários deuses, na qual se admite a existência de um Deus supremo que governa outros menores (exemplo: Hinduísmo).

Deísmo 


Deísmo é uma postura filosófico-religiosa que admite a existência de Deus como Criador Supremo, mas questiona a ideia da revelação divina aos homens. Em outras palavras, é a doutrina que considera a razão como a única via capaz de assegurar a existência de Deus. Os deístas não se prendem, em geral, a uma religião organizada. 

Voltaire (1694–1778), filósofo e escritor iluminista francês, conhecido pela sua perspicácia e espirituosidade na defesa das liberdades civis, inclusive da liberdade religiosa, legítimo representante do pensamento deísta, afirmou: “O conhecimento de Deus não foi impresso em nós pelas mãos da Natureza, pois todos os homens teriam a mesma ideia, e ideia alguma nasce conosco”.13 

A despeito do brilhantismo do seu pensamento, revelado em diferentes campos do conhecimento, no caso da ideia de Deus, Voltaire descarta a ideia inata de Deus, desconhecendo, portanto, a possibilidade de a criatura humana trazer consigo, desde o nascimento, a crença em Deus, claramente explicada pela tese reencarnacionista.

3. Concepção científica de Deus 


Em geral, a Ciência não cogita da existência de Deus, mas muitos cientistas, inclusive alguns de renome, aceitam a ideia e têm apresentado boas contribuições a respeito do assunto. Um deles foi Albert Einstein, que afirmou: “[...] Minha religião consiste em humilde admiração do Espírito superior e ilimitado que se revela nos menores detalhes que podemos perceber em nossos espíritos frágeis e incertos. Essa convicção, profundamente emocional na presença de um poder racionalmente superior, que se revela no incompreensível Universo, é a ideia que faço de Deus”.14 

Outro respeitável cientista que aceita e divulga sua crença em Deus é o americano Francis S. Collins, pai do projeto Genoma, autor do livro A linguagem de Deus, que merece ser lido. “O cientista percorreu o árduo caminho de ateu confesso a cristão convicto, enfrentando inúmeras dificuldades no meio acadêmico para confessar a sua crença em Deus. Percebeu quão limitada é a visão dos cientistas em relação a certos questionamentos humanos, tais como: “Por que estamos aqui?” “Qual o sentido da vida?”.15 

Na última parte do livro, intitulada “Fé na ciência, fé em Deus”, encontramos uma linha histórica da evolução do conceito de Deus, contendo citações do livro bíblico Gênesis, de estudos de Galileu e de outros cientistas de renome, do passado e do presente, e as ideias essenciais da Teoria das Espécies, de Charles Darwin. Faz lúcida análise da Criação Divina, tendo como pano de fundo expressivas posições religiosas e científicas, tanto as favoráveis quanto as contrárias. Por fim, propõe a alternativa da união harmônica entre a Ciência e a fé.16

4. A concepção espírita de Deus 


A Doutrina Espírita nos revela Deus de forma semelhante às demais revelações monoteístas (Pai e Criador Supremo), ainda que não ignore a existência de pontos interpretativos diferentes. Os seguintes exemplos servem para exemplificar o assunto.

– Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas. 17 Significa dizer que o Espiritismo não se orienta pela visão antropomórfica de Deus (“um homem em ponto maior”), ainda que mantenha a concordância com as demais religiões monoteístas de que Deus é o Criador Supremo, do Universo e dos seres. 

– A ideia de Deus é inata, não resulta da educação religiosa. Ensinam os Espíritos superiores que se a ideia de Deus fosse aprendida apenas pelo ensino, os selvagens não trariam consigo este sentimento.18 Kardec, por sua vez esclarece que se “[...] o sentimento da existência de um ser supremo fosse apenas produto de um ensino, não seria universal e, como sucede com as noções científicas, só existiria nos que houvessem podido receber esse ensino.”19 

– Devemos amar, não temer a Deus. Muitas religiões ensinam que os males que nos acontecem são punições divinas pelos nossos pecados. O Espiritismo ensina que devemos amar a Deus, que é Pai justo e misericordioso, na forma que Jesus nos revelou. Os males que sofremos são decorrentes do uso incorreto do livre-arbítrio: “Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa toda a responsabilidade de seus atos e de suas consequências”.20

– Pelo trabalho no bem o homem aprende a servir a Deus e dele se aproxima. Inúmeras práticas religiosas existem para agradar a Deus, acreditando que, assim, O esteja servindo. Não deixa de ser um raciocínio ingênuo, uma vez que o Pai Celestial não necessita de manifestações de culto externo. O trabalho no bem revela melhoria espiritual e consciência da necessidade de cumprir as leis divinas: “[...] o progresso da Humanidade tem seu princípio na aplicação da lei de justiça, amor e caridade. [...] dessa lei derivam todas as outras, porque ela encerra todas as condições da felicidade do homem”.21 

– A existência de Deus é comprovada por meio do axioma de que “não há efeito sem causa”. 

[...] Lançando o olhar em torno de si, sobre as obras da Natureza, observando a previdência, a sabedoria, a harmonia que preside a todas as coisas, reconhece-se não haver nenhuma que não ultrapasse os limites da mais talentosa inteligência humana. Ora, desde que o Homem não as pode produzir, é que elas são produto de uma inteligência superior à Humanidade, salvo se sustentarmos que há efeitos sem causa.22

Referências 

1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Tanakh 
2. http://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%ADblia 
3. http://pt.wikipedia.org/wiki/Alcor%C3%A3o 
4. http://pt.wikipedia.org/wiki/Avesta 
5. http://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_de_M%C3%B3rmon 
6. http://pt.wikipedia.org/wiki/Sikhismo 
7. http://pt.wikipedia.org/wiki/Babismo 
8. http://pt.wikipedia.org/wiki/Kit%C3%A1b-i-Aqdas 
9. DENIS, Léon. O grande enigma. 1. edição especial. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Primeira parte, cap. V, p. 65. 
10. KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão. Tradução de Ciro Mioranza. 2. ed. São Paulo: Escala, 2008, p. 177-178. 
11. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 942-943. 
12. . p. 943. 13. VOLTAIRE. Dicionário filosófico. Tradução Ciro Mioranza e Antonio Geraldo da Silva. São Paulo: Escala, 2008, p. 207.

Fonte


http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2013/04/EADE-5-CIENCIA-E-FILOSOFIA-ESPIRITAS.pdf




Sendo Deus a causa primária de todas as coisas, a origem de tudo o que existe, a base sobre que repousa o edifício da Criação, é também o ponto que importa consideremos antes de tudo.

Constitui princípio elementar que pelos seus efeitos é que se julga de uma causa, mesmo quando ela se conserve oculta.
Se, fendendo os ares, um pássaro é atingido por mortífero grão de chumbo, deduz-se que hábil atirador o alvejou, ainda que este último não seja visto. Nem sempre, pois; se faz necessário vejamos uma coisa, para sabermos que ela existe. Em tudo, observando os efeitos é que se chega ao conhecimento das causas.

Outro princípio igualmente elementar e que, de tão verdadeiro, passou a axioma é o de que todo efeito inteligente tem que decorrer de uma causa inteligente.
Se perguntassem qual o construtor de certo mecanismo engenhoso, que pensaríamos de quem respondesse que ele se fez a si mesmo? Quando se contempla, uma obra-prima da arte ou da indústria, diz-se que há de tê-la produzido um homem de gênio, porque só uma alta inteligência poderia concebê-la. Reconhece-se, no entanto, que ela é obra de um homem, por se verificar que não está acima da capacidade humana; mas, a ninguém acudirá a ideia de dizer que saiu do cérebro de um idiota ou de um ignorante, nem, ainda menos, que é trabalho de um animal, ou produto do acaso.

Em toda parte se reconhece a presença do homem pelas suas obras. A existência dos homens antediluvianos não se provaria unicamente por meio dos fósseis humanos: provou-a também, e com muita certeza, a presença, nos terrenos daquela época, de objetos trabalhados pelos homens; um fragmento de vaso, uma pedra talhada, uma arma, um tijolo bastarão para lhe atestar a presença. Pela grosseria ou perfeição do trabalho, reconhecer-se-á o grau de inteligência ou de adiantamento dos que o executaram. Se, pois, achando-vos numa região habitada exclusivamente por selvagens, descobrirdes uma estátua digna de Fídias, não hesitareis em dizer que, sendo incapazes de tê-la feito os selvagens, ela é obra de uma inteligência superior à destes.

Pois bem! lançando o olhar em torno de si, sobre as obras da Natureza, notando a providência, sabedoria, a harmonia que presidem a essas obras, reconhece o observador não haver nenhuma que não ultrapasse os limites da mais portentosa inteligência humana. Ora, desde que o homem não as pode produzir, é que elas são produto de uma inteligência superior à humanidade, a menos se sustente que há efeitos sem causa.

A isto opõem alguns o seguinte raciocínio:
As obras ditas da Natureza são produzidas por forças materiais que atuam mecanicamente, em virtude das leis de atração e repulsão; as moléculas dos corpos inertes se agregam e desagregam sob o império dessas leis. As plantas nascem, brotam, crescem e se multiplicam sempre da mesma maneira, cada uma na sua espécie, por efeito daquelas mesmas leis; cada indivíduo se assemelha ao de quem ele proveio; o crescimento, a floração, a frutificação, a coloração se acham subordinados a causas materiais, tais como o calor, a eletricidade, a luz, a umidade, etc. O mesmo se dá com os animais. Os astros se formam pela atração molecular e se movem perpetuamente em suas órbitas por efeito da gravitação. Essa regularidade mecânica no emprego das forças naturais não acusa a ação de qualquer inteligência livre. O homem movimenta o braço quando quer e como quer; aquele porém, que o movimentasse no mesmo sentido, desde o nascimento até a morte, seria um autômato; ora as forças orgânicas da Natureza são puramente automáticas.
Tudo isso é verdade; mas, essas forças são efeitos que hão de ter uma causa e ninguém pretende que elas constituam a divindade. Elas são materiais e mecânicas; não são de si mesmas inteligentes, também isto é verdade, mas, são postas em ação, distribuídas, apropriadas às necessidades de cada coisa por uma inteligência que não é a dos homens. A aplicação útil dessas forças é um efeito inteligente, que denota uma causa inteligente. Um pêndulo se move com automática regularidade e é nessa regularidade que lhe está o mérito. É toda material a força que o faz mover-se e nada tem de inteligente. Mas que seria esse pêndulo, se uma inteligência não houvesse combinado, calculado, distribuído o emprego daquela força, para faze-lo andar com precisão? Do fato de não estar a inteligência no mecanismo do pêndulo e do de que ninguém a vê, seria racional deduzir-se que ela não existe? Apreciamo-la pelos seus efeitos.
A existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; a engenhosidade do mecanismo lhe atesta a inteligência e o saber. Quando um relógio vos dá, no momento preciso, a indicação de que necessitais, já vos terá vindo à mente dizer: aí está um relógio bem inteligente?
Outro tanto ocorre com o mecanismo do Universo: Deus não se mostra, mas se revela pelas suas obras.

A existência de Deus é, pois, uma realidade comprovada não só pela revelação, como pela evidência material dos fatos. Os povos selvagens nenhuma revelação tiveram; entretanto, creem instintivamente na existência de um poder sobre-humano; eles veem coisas que estão acima das possibilidades do homem e deduzem que essas coisas provêm de um ente superior à Humanidade. Não demonstram raciocinar com mais lógica do que os que pretendem que tais coisas se fizeram a si mesmas?





Não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para compreendê-lo, ainda nos falta o sentido próprio, que só se adquire por meio da completa depuração do EspíritoMas, se não pode penetrar na essência de Deus, o homem, desde que aceite como premissa a sua existência, pode, pelo raciocínio, chegar a conhecer-lhe os atributos necessários, porquanto, vendo o que ele absolutamente não pode ser, sem deixar de ser Deus, deduz daí o que ele deve ser.
Sem o conhecimento dos atributos de Deus, impossível seria compreender-se a obra da Criação; esse o ponto de partida de todas as crenças religiosas e é por não se terem reportado a isso, como ao farol capaz de as orientar, que a maioria das religiões errou em seus dogmas.  As que não atribuíram a Deus a onipotência imaginaram muitos deuses; as que não lhe atribuíram soberana bondade fizeram dele um Deus cioso, colérico, parcial e vingativo.

Deus é a suprema e soberana inteligênciaÉ limitada a inteligência do homem, pois que não pode fazer, nem compreender tudo o que existe; a de Deus, abrangendo o infinito, tem que ser infinita. Se a supuséssemos limitada num ponto qualquer, poderíamos conceber outro ser mais inteligente, capaz de compreender e fazer o que o primeiro não faria e assim por diante, até ao infinito.

Deus é eterno, isto é, não teve começo e não terá fim. Se tivesse tido princípio, houvera saído do nada; ora, não sendo o nada coisa alguma, coisa nenhuma pode produzir; ou, então, teria sido criado por outro ser anterior e, nesse caso, este ser é que seria Deus. Se lhe supuséssemos um começo ou fim, poderíamos conceber uma entidade existente antes dele e capaz de lhe sobreviver, e assim por diante, ao infinito.

Deus é imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o Universo.

Deus é imaterial, isto é, a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria; de outro modo, não seria imutável, pois estaria sujeito às transformações da matéria.
Deus carece de forma apreciável pelos nossos sentidos, sem o que seria matéria. Dizemos: a mão de Deus, o olho de Deus, a boca de Deus, porque o homem, nada mais conhecendo além de si mesmo, toma a si próprio por termo de comparação para tudo o que não compreende. São ridículas essas imagens em que Deus é representado pela figura de um ancião de longas barbas e envolto num manto; elas têm o inconveniente de rebaixar o Ente supremo até às mesquinhas proporções da humanidade; daí a lhe emprestarem as paixões humanas e a fazerem-no um Deus colérico e cioso não vai mais que um passo.

Deus é onipotente. Se não possuísse o poder supremo, sempre se poderia conceber uma entidade mais poderosa e assim por diante, até chegar-se ao ser cuja potencialidade nenhum outro ultrapassasse, e esse então, é que seria Deus.

Deus e soberanamente justo e bomA providencial sabedoria das leis divinas se revela nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, não permitindo essa sabedoria que se duvide da sua justiça, nem da sua bondade.
O fato de ser infinita uma qualidade, exclui a possibilidade de uma qualidade contrária, porque esta a apoucaria ou anularia. Um ser infinitamente bom não poderia conter a mais insignificante parcela de malignidade, nem o ser infinitamente mau conter a mais insignificante parcela de bondade, do mesmo modo que um objeto não pode ser de um negro absoluto, com a mais ligeira nuança de branco, nem de um branco absoluto com a mais pequenina mancha preta.
Deus, pois, não poderia ser simultaneamente bom e mau, porque então, não possuindo qualquer dessas duas qualidades no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam sujeitas ao seu capricho e para nenhuma haveria estabilidade. Não poderia ele, por conseguinte, deixar de ser ou infinitamente bom ou infinitamente mau; ora, como suas obras dão testemunho da sua sabedoria, da sua bondade e da sua solicitude, concluir-se-á que, não podendo ser ao mesmo tempo bom e mau sem deixar de ser Deus, ele necessariamente tem de ser infinitamente bom.
A soberana bondade implica a soberana justiça, porquanto, se ele procedesse injustamente ou com parcialidade numa só circunstância que fosse, ou com relação a uma só de suas criaturas, já não seria soberanamente justo e, em consequência, já não seria soberanamente bom.

     Deus é infinitamente perfeitoÉ impossível conceber-se Deus sem o infinito das perfeições, sem o que não seria Deus, pois sempre se poderia conceber um ser que possuísse o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa ultrapassá-lo, faz-se mister que ele seja infinito em tudo.
Sendo infinitos, os atributos de Deus não são suscetíveis nem de aumento, nem de diminuição, visto que do contrário não seriam infinitos e Deus não seria perfeito. Se lhe tirassem a qualquer dos atributos a mais mínima parcela, já não haveria Deus, pois que poderia existir um ser mais perfeito.

Deus é únicoA unicidade de Deus é consequência do fato de serem infinitas as suas perfeições. Não poderia existir outro Deus, salvo sob a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas, visto que, se houvesse entre eles a mais ligeira diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao poder desse outro e, então, não seria Deus. Se houvesse entre ambos igualdade absoluta, isso equivaleria a existir, de toda eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder. Confundidos assim, quanto à identidade, não haveria, em realidade, mais que um único Deus. Se cada um tivesse atribuições especiais, um não faria o que o outro fizesse; mas, então, não existiria igualdade perfeita entre eles, pois que nenhum possuiria a autoridade soberana.

A ignorância do princípio de que são infinitas as perfeições de Deus foi que gerou o politeísmo, culto adotado por todos os povos primitivos, que davam o atributo de divindade a todo poder que lhes parecia acima dos poderes inerentes à humanidade; mais tarde, a razão os levou a reunir essas diversas potências numa só. Depois, à proporção que os homens foram compreendendo a essência dos atributos divinos, retiraram dos símbolos, que haviam criado, a crença que implicava a negação desses atributos.

Em resumo, Deus não pode ser Deus, senão sob a condição de que nenhum outro o ultrapasse, porquanto o ser que o excedesse no que quer que fosse, ainda que apenas na grossura de um cabelo, é que seria o verdadeiro Deus; para que tal não se dê, indispensável se torna que ele seja infinito em tudo.
É assim que, comprovada pelas suas obras a existência de Deus, por simples dedução lógica se chega a determinar os atributos que o caracterizam.

Deus é, pois, a inteligência suprema e soberana, é único, eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente justo e bom, infinito em todas as perfeições, e não pode ser diverso disso.
Tal o eixo sobre que repousa o edifício universal; esse o farol cujos raios se estendem por sobre o Universo inteiro, única luz capaz de guiar o homem na pesquisa da verdade; orientando-se por essa luz, ele nunca se transviará. Se, portanto, o homem há errado tantas vezes, é unicamente por não ter seguido o roteiro que lhe estava indicado.
Tal também o critério infalível de todas as doutrinas filosóficas e religiosas; para apreciá-las, dispõe o homem de uma medida rigorosamente exata nos atributos de Deus e pode afirmar a si mesmo que toda teoria, todo princípio, todo dogma, toda crença, toda prática que estiver em contradição com um só que seja desses atributos, que tenda não tanto a anulá-lo, mas simplesmente a diminuí-lo, não pode estar com a verdade.
Em filosofia, em psicologia, em moral, em religião, só há de verdadeiro o que não se afaste, nem um til, das qualidades essenciais da Divindade. A religião perfeita será aquela de cujos artigos de fé nenhum esteja em oposição àquelas qualidades; aquela cujos dogmas todos suportem a prova dessa verificação sem nada sofrerem.





A providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas. Ele está em toda parte, tudo vê, a tudo preside, mesmo às coisas mais mínimas; é nisto que consiste a ação providencial.
 “Como pode Deus, tão grande, tão poderoso, tão superior a tudo, imiscuir-se em pormenores ínfimos, preocupar-se com os menores atos e os menores pensamentos de cada indivíduo?” — Esta a interrogação que a si mesmo dirige o incrédulo, concluindo por dizer que, admitida a existência de Deus, só se pode admitir, quanto à sua ação, que ela se exerça sobre as leis gerais do Universo; que este funcione de toda a eternidade em virtude dessas leis, às quais toda criatura se acha submetida na esfera de suas atividades, sem que haja mister a intervenção incessante da Providência.”

No estado de inferioridade em que ainda se encontram, só muito dificilmente podem os homens compreender que Deus seja infinito; vendo-se limitados e circunscritos, eles o imaginam também circunscrito e limitado; imaginando-o circunscrito, figuram-no quais eles são, à imagem e semelhança deles. Os quadros em que o vemos com traços humanos não contribuem pouco para entreter esse erro no espírito das massas, que nele adoram mais a forma que o pensamento. Para a maioria, é ele um soberano poderoso, sentado num trono inacessível e perdido na imensidade dos céus; tendo restritas suas faculdades e percepções, não compreendem que Deus possa e se digne de intervir diretamente nas pequeninas coisas.

Impotente para compreender a essência mesma da Divindade, o homem não pode fazer dela mais do que uma ideia aproximativa, mediante comparações necessariamente muito imperfeitas, mas que, ao menos, servem para lhe mostrar a possibilidade daquilo que, à primeira vista, lhe parece impossível.
Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos; sendo ininteligente, esse fluido atua mecanicamente, por meio tão só das forças materiais; se, porém, o supusermos dotado de inteligência, de faculdades perceptivas e sensitivas, ele já não atuará às cegas, mas com discernimento, com vontade e liberdade: verá, ouvirá e sentirá.

As propriedades do fluido perispirítico dão-nos disso uma ideia. Ele não é de si mesmo inteligente, pois que é matéria, mas serve de veículo ao pensamento, às sensações e percepções do Espírito.
Esse fluido não é o pensamento do Espírito; é, porém, o agente e o intermediário desse pensamento; sendo quem o transmite, fica, de certo modo, impregnado do pensamento transmitido; e, na impossibilidade em que nos achamos de o isolar, a nós nos parece que ele, o pensamento, faz corpo com o fluido, que com este se confunde, como sucede com o som e o ar, de maneira que podemos, a bem dizer, materializá-lo. Assim como dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa, dizer que o fluido se torna inteligente.

Seja ou não assim no que concerne ao pensamento de Deus, isto é, quer o pensamento de Deus atue diretamente, quer por intermédio de um fluido, para facilitarmos a compreensão à nossa inteligência, figuremo-lo sob a forma concreta de um fluido inteligente que enche o universo infinito e penetra todas as partes da criação: a Natureza inteira mergulhada no fluido divino; ora, em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza e têm as mesmas propriedades que ele, cada átomo desse fluido, se assim nos podemos exprimir, possuindo o pensamento, isto é, os atributos essenciais da Divindade e estando o mesmo fluido em toda parte, tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude; nenhum ser haverá, por mais ínfimo que o suponhamos, que não esteja saturado dele. Achamo-nos então, constantemente, em presença da Divindade; nenhuma das nossas ações lhe podemos subtrair ao olhar; o nosso pensamento está em contato ininterrupto com o seu pensamento, havendo, pois, razão para dizer-se que Deus vê os mais profundos refolhos do nosso coração. Estamos nele, como ele está em nós, segundo a palavra do Cristo.  (Jo)
Para estender a sua solicitude a todas as criaturas, não precisa Deus lançar o olhar do alto da imensidade; as nossas preces, para que ele as ouça, não precisam transpor o espaço, nem ser ditas com voz retumbante, pois que, estando de contínuo ao nosso lado, os nossos pensamentos repercutem nele. Os nossos pensamentos são como os sons de um sino, que fazem vibrar todas as moléculas do ar ambiente.

Longe de nós a ideia de materializar a Divindade; a imagem de um fluido inteligente universal evidentemente não passa de uma comparação apropriada a dar de Deus uma ideia mais exata do que os quadros que o apresentam debaixo de uma figura humana; destina-se ela a fazer compreensível a possibilidade que tem Deus de estar em toda parte e de se ocupar com todas as coisas.

Temos constantemente sob as vistas um exemplo que nos permite fazer ideia do modo por que talvez se exerça a ação de Deus sobre as partes mais íntimas de todos os seres e, conseguintemente, do modo por que lhe chegam as mais sutis impressões de nossa alma. Esse exemplo tiramo-lo de certa instrução que a tal respeito deu um Espírito.

     O homem é um pequeno mundo, que tem como diretor o Espírito e como dirigido o corpo. Nesse universo, o corpo representará uma criação cujo Deus seria o Espírito. (Compreendei bem que aqui há uma simples questão de analogia e não de identidade.) Os membros desse corpo, os diferentes órgãos que o compõem, os músculos, os nervos, as articulações são outras tantas individualidades materiais, se assim se pode dizer, localizadas em pontos especiais do referido corpo; se bem seja considerável o número de suas partes constitutivas, de natureza tão variada e diferente, a ninguém é lícito supor que se possam produzir movimentos, ou uma impressão em qualquer lugar, sem que o Espírito tenha consciência do que ocorra. Há sensações diversas em muitos lugares simultaneamente? O Espírito as sente todas, distingue, analisa, assina a cada uma a causa determinante e o ponto em que se produziu, tudo por meio do fluido perispirítico.
“Análogo fenômeno ocorre entre Deus e a Criação. Deus está em toda parte, na Natureza, como o Espírito está em toda parte, no corpo; todos os elementos da Criação se acham em relação constante com ele, como todas as células do corpo humano se acham em contato imediato com o ser espiritual; não há, pois, razão para que fenômenos da mesma ordem não se produzam de maneira idêntica, num e noutro caso.
      “Um membro se agita: o Espírito o sente; uma criatura pensa: Deus o sabe. Todos os membros estão em movimento, os diferentes órgãos estão a vibrar; o Espírito ressente todas as manifestações, as distingue e localiza. As diferentes criações, as diferentes criaturas se agitam, pensam, agem diversamente: Deus sabe o que se passa e assina a cada um o que lhe diz respeito.
“Daí se pode igualmente deduzir a solidariedade da matéria e da inteligência, a solidariedade entre si de todos os seres de um mundo, a de todos os mundos e, por fim, de todas as criações com o Criador.” (Quinemant — Sociedade Espírita de Paris, 1867.)

Compreendemos o efeito: já é muito; do efeito remontamos à causa e julgamos da sua grandeza pela do efeito; escapa-nos, porém, a sua essência íntima, como a da causa de uma imensidade de fenômenos. Conhecemos os efeitos da eletricidade, do calor, da luz, da gravitação; calculamo-los e, entretanto, ignoramos a natureza íntima do princípio que os produz. Será então racional neguemos o princípio divino, por que não o compreendemos?

Nada obsta a que se admita, para o princípio da soberana inteligência, um centro de ação, um foco principal a irradiar incessantemente, inundando o Universo com seus eflúvios, como o Sol com a sua luz. Mas onde esse foco? É o que ninguém pode dizer. Provavelmente, não se acha fixado em determinado ponto, como não o está a sua ação, sendo também provável que percorra constantemente as regiões do espaço sem-fim. Se simples Espíritos têm o dom da ubiquidade, em Deus há de ser sem limites essa faculdade. Enchendo Deus o Universo, poder-se-ia ainda admitir, a título de hipótese, que esse foco não precisa transportar-se, por se formar em todas as partes onde a soberana vontade julga conveniente que ele se produza, donde o poder dizer-se que está em toda parte e em parte nenhuma.

Diante desses problemas insondáveis, cumpre que a nossa razão se humilhe. Deus existe: disso não poderemos duvidar; é infinitamente justo e bom: essa a sua essência; a tudo se estende a sua solicitude: compreendemo-lo; só o nosso bem, portanto, pode ele querer, donde se segue que devemos confiar nele: é o essencial; quanto ao mais, esperemos que nos tenhamos tornado dignos de o compreender.





Se Deus está em toda parte, por que não o vemos? Vê-lo-emos quando deixarmos a Terra? Tais as perguntas que se formulam todos os dias.
À primeira é fácil responder; por serem limitadas as percepções dos nossos órgãos visuais, elas os tornam inaptos à visão de certas coisas, mesmo materiais. É assim que alguns fluidos nos fogem totalmente à visão e aos instrumentos de análise; entretanto, não duvidamos da existência deles. Vemos os efeitos da peste, mas não vemos o fluido que a transporta; vemos os corpos em movimento sob a influência da força de gravitação, mas não vemos essa força.

Os nossos órgãos materiais não podem perceber as coisas de essência espiritual; unicamente com a visão espiritual é que podemos ver os Espíritos e as coisas do mundo imaterial; somente a nossa alma, portanto, pode ter a percepção de Deus. Dar-se-á que ela o veja logo após a morte? A esse respeito, só as comunicações de além-túmulo nos podem instruir.  Por elas sabemos que a visão de Deus constitui privilégio das mais purificadas almas e que bem poucas, ao deixarem o envoltório terrestre, se encontram no grau de desmaterialização necessária a tal efeito. 5 Uma comparação vulgar o tornará facilmente compreensível.

Uma pessoa que se ache no fundo de um vale, envolvido por densa bruma, não vê o Sol. Entretanto, pela luz difusa, percebe que está fazendo sol. Se entra a subir a montanha, à medida que for ascendendo, o nevoeiro se irá tornando mais claro, a luz cada vez mais viva. Contudo, ainda não verá o Sol. Só depois que se haja elevado acima da camada brumosa e chegado a um ponto onde o ar esteja perfeitamente límpido, ela o contemplará em todo o seu esplendor.
O mesmo se dá com a alma. O envoltório perispirítico, conquanto nos seja invisível e impalpável, é, com relação a ela, verdadeira matéria, ainda grosseira demais para certas percepções. Ele, porém, se espiritualiza, à proporção que a alma se eleva em moralidade. As imperfeições da alma são quais camadas nevoentas que lhe obscurecem a visão; cada imperfeição de que ela se desfaz é uma mácula a menos; todavia, só depois de se haver depurado completamente é que goza da plenitude das suas faculdades.

Sendo Deus a essência divina por excelência, unicamente os Espíritos que atingiram o mais alto grau de desmaterialização o podem perceber.  Pelo fato de não o verem, não se segue que os Espíritos imperfeitos estejam mais distantes dele do que os outros; 3 esses Espíritos, como os demais, como todos os seres da Natureza, se encontram mergulhados no fluido divino, do mesmo modo que nós o estamos na luz;  o que há é que as imperfeições daqueles Espíritos são vapores que os impedem de vê-lo; quando o nevoeiro se dissipar, vê-lo-ão resplandecer;  para isso, não lhes é preciso subir, nem procurá-lo nas profundezas do infinito; desimpedida a visão espiritual das belidas que a obscureciam, eles o verão de todo lugar onde se achem, mesmo da Terra, porquanto Deus está em toda parte.

O Espírito só se depura com o tempo, sendo as diversas encarnações o alambique em cujo fundo deixa de cada vez algumas impurezas. Com o abandonar o seu invólucro corpóreo, os Espíritos não se despojam instantaneamente de suas imperfeições, razão por que, depois da morte, não veem a Deus mais do que o viam quando vivos; mas, à medida que se depuram, têm dele uma intuição mais clara; não o veem, mas compreendem-no melhor: a luz é menos difusa.  Quando, pois, alguns Espíritos dizem que Deus lhes proíbe respondam a uma dada pergunta não é que Deus lhes apareça, ou dirija a palavra, para lhes ordenar ou proibir isto ou aquilo, não; eles, porém, o sentem; recebem os eflúvios do seu pensamento, como nos sucede com relação aos Espíritos que nos envolvem em seus fluidos, embora não os vejamos.

Nenhum homem, conseguintemente, pode ver a Deus com os olhos da carne.  Se essa graça fosse concedida a alguns, só o seria no estado de êxtase, quando a alma se acha tão desprendida dos laços da matéria que torna possível o fato durante a encarnação. Tal privilégio, aliás, exclusivamente pertenceria a almas de eleição, encarnadas em missão, que não em expiaçãoMas, como os Espíritos da mais elevada categoria refulgem de ofuscante brilho, pode dar-se que Espíritos menos elevados, encarnados ou desencarnados, maravilhados com o esplendor de que aqueles se mostram cercados, suponham estar vendo o próprio Deus. É como quem vê um ministro e o toma pelo seu soberano.

   Sob que aparência se apresenta Deus aos que se tornaram dignos de vê-lo? Será sob uma forma qualquer? Sob uma figura humana, ou como um foco de resplendente luz?  A linguagem humana é impotente para dizê-lo, porque não existe para nós nenhum ponto de comparação capaz de nos facultar uma ideia de tal coisa; somos quais cegos de nascença a quem procurassem inutilmente fazer compreendessem o brilho do Sol.  A nossa linguagem é limitada pelas nossas necessidades e pelo círculo das nossas ideias; a dos selvagens não poderia descrever as maravilhas da civilização; a dos povos mais civilizados é extremamente pobre para descrever os esplendores dos céus, a nossa inteligência muito restrita para os compreender e a nossa vista, por muito fraca, ficaria deslumbrada.

Fonte:


Kardec, Allan . A Gênese. Capítulo II