1. AS MESAS GIRANTES - O Prof. Hippolyte Léon Denizart Rivail interessou-se pelas mesas girantes em 1854, quando um seu amigo, o Sr. Fortier, lhe falou a respeito. O Prof. Rivail contava cinqüenta anos de idade. Era um conhecido autor de obrar didáticas, adotadas nas escolas francesas, membro da Academia Real de Arras, discípulo de Pestalozzi e propagandista dos princípios pedagógicos do mestre, professor no Liceu Polimático, autor de uma gramática francesa e de um manual de preparação para os cursos cientifico da Sorbonne. Homem de cultura ampla e sólida, dedicado aos estudos positivos, e não, como querem fazer crer os adversários do Espiritismo, um místico de pretensões messiânicas. Muito longe estava disso o Prof. Rivail. E tanto assim que, quando o Sr. Fortier lhe afirmou que as mesas girantes "falavam", sua resposta foi a seguinte: "só acreditarei ao vê-lo, e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir, e que pode torna-se sonâmbula. Até lá, permita-me não ver no caso mais do que uma história para nos fazer dormir em pé."
A referência ao sonambulismo nos lembra que o Prof. Rivail, como o seu amigo Fortier, estudava o magnetismo, a cujos estudos dedicou, aliás, numerosos anos, sempre na mais rigorosa linha de observação científica. "Eu estava então na posição dos incrédulos de hoje - anotaria Kardec mais tarde - que negam apenas por não ter visto, um fato que não compreendem." Logo mais, anotaria ainda:
"Achava-me diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às leis da natureza, e que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara. As experiências realizadas na presença de pessoas honradas, dignas de fé confirmavam a minha opinião, quanto à possibilidade de um efeito puramente material. A idéia, porém, de uma mesa-falante, ainda não me entrara na mente."
Como se vê, os materialistas que hoje negam os fenômenos espíritas, sem estudá-los, e querem tudo atribuir a efeitos materiais, nada fazem de novo. O próprio Kardec procedeu assim, quando esses mesmos fenômenos exigiram a sua atenção. No ano seguinte, em 1855, o Sr. Carlotti falou ao Prof. Rivail dos mesmo fenômenos, com grande entusiasmo. Kardec anota, a respeito: "Ele era corso, de temperamento ardoroso e enérgico, e eu sempre lhe apreciara as qualidades que distinguem uma grande e bela alma, porém desconfiava da sua exaltação. Foi o primeiro a me falar da intervenção dos espíritos, e me contou tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer, aumentou-me as dúvidas. Um dia o senhor será dos nossos, concluiu. Não direi que não, respondi-lhe; veremos isso mais tarde."
Em princípio de maio de 1855, em
companhia do magnetizador Fortier, o Prof. Rivail dirigiu-se à casa da
sonâmbula Madame Roger, onde foi convidado pelo Sr. Fortier para assistir as
reuniões que se realizavam na residência da Sra. Plainemaison, à Rua Grange
Bateliere. Numa Terça-feira de maio, às 20 horas (infelizmente o lugar do dia
ficou em branco nas anotações), teve oportunidade de assistir "a alguns
ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxilio de
uma cesta". É o antigo processo da "cesta de bico", ou seja, uma
cestinha com um lápis amarrado ao lado, pendurada sobre a mesa, e em cuja
bordas os médiuns colocavam as mãos, produzindo a escrita. Viu também, pela primeira
vez, a dança das mesas, que descreveu neste termos: "Presenciei o fenômeno
das mesas que giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não havia
lugar para qualquer dúvida."
Acentuemos que esta expressão de
Kardec: "não havia lugar para qualquer dúvida" é de grande
importância, dado o seu rigoroso critério de observação. Algumas pessoas
contrárias ao Espiritismo, entre as quais se destacam vários sacerdotes
hipnotizadores, esforçam-se até hoje para demonstrar que a dança das mesas é
produto de fraude ou mistificação. Quem tiver a oportunidade de assistir a uma
experiência desse tipo, numa sala, com pessoas amigas ou insuspeitas - elas
podem ser feitas em qualquer lugar, desde que em ambiente tranqüilo e sadio -
verificará sem dificuldades que a fraude é impossível. A mesa se move por si,
muitas vezes com violência, chegando mesmo a levitar, erguer-se no espaço, sem
contato ou apenas com um leve contato das mãos. Basta que exista um médium de
efeitos físicos, e que se observem as condições necessárias, deixando-se a mesa
o mais livre possível do contato das pessoas, em plena luz, para que suspeita
de fraude se torne até mesmo ridícula, diante da evidência do fenômeno. As
experiências malfeitas, por pessoas de boa-fé, que não tomam as devidas
cautelas, é que dão motivos as suspeitas, de que se servem os adversários do
Espiritismo.
Na casa da Sra. Plainemaison o
Prof. Rivail travou conhecimento com a família Baudin, e passou a freqüentar as
sessões semanais que o Sr. Baudin realizava em sua residência, à rua Rochechouart.
As médiuns eram duas meninas, filhas do dono da casa, Julie e Caroline Baudin,
14 e 16 anos, respectivamente. As reuniões eram frívolas, e Kardec as define
assim: "A curiosidade e o divertimento eram os objetivos capitais de
todos." O espírito que presidia os trabalhos dava o nome simbólico de
Zéfiro, "nome perfeitamente de acordo com o seu caráter e o da
reunião", dizem as notas. Não obstante, mostrava-se bondoso e dizia-se
protetor da família. Kardec acrescenta: "Se, com freqüência, fazia rir,
também sabia, quando necessário, dar conselhos ponderados e utilizar, quando
havia ensejo, o epigrama, espirituoso e mordaz."
O Prof. Rivail não comparecia às
reuniões com o objetivo frívolo de divertir-se. Queria observar os fenômenos e
tirar as suas deduções. Bastou a sua presença, para que o teor das reuniões se
modificasse. Submetido a perguntas sérias, Zéfiro mostrou-se capaz de
respondê-las, senão por si mesmo, pelo menos assessorado por outras entidades.
Vejamos, pelas suas próprias anotações, como Kardec conseguiu fazer que a dança
das mesas e a própria dança da cesta se transformassem, de coisas aparentemente
insignificantes, nos instrumentos de transmissão da poderosa mensagem
espiritual que o mundo recebeu, no cumprimento da promessa messiânica do Cristo:
"Foi nessas reuniões - dizem as notas - que comecei meus estudos sério de
Espiritismo, menos por meio de revelações, do que observações. Apliquei a essa
nova ciência, como o fizera até então, o método experimental. Observava
cuidadosamente, comparava, deduzia conseqüências; dos efeitos procurava
remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não
admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as
dificuldades da questão. Foi assim que procedi sempre, em meus trabalhos
anteriores, desde a idade entre 15 e 16 anos."
2. A MENSAGEM DA CESTA - Quando as meninas Baudin punham as mãos
angélicas nas suas bordas, - mãos de criança, impregnadas mediunicamente pelo
magnetismo espiritual- a cesta-escrevente ascendia ao plano da inteligência.
inserindo-se na fronteira do visível com o invisível. Então, rompia-se
docemente a grande barreira, para que a mensagem do Espírito fluísse sobre a
Matéria, e as Inteligências libertas pudessem confabular com as inteligências
escravizadas no cérebro humano. Foi esse mistério que o Prof. Rivail soube ver,
com intuição plena de suas conseqüências, ao interpelar os Espíritos nas
sessões da casa do Sr. Baudin, e mais tarde na casa do Sr. Roustan, com a
médium Srta. Japhet.
Ninguém poderia dizer melhor, de
maneira mais sintética e mais profunda, o que foi esse momento do que o próprio
Kardec, neste breve trecho de suas anotações particulares: "Compreendi,
antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender. Percebi, naqueles
fenômenos, a chave do problema tão obscuro e controvertido, do passado e do
futuro da humanidade, a solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em
suma, toda uma revolução nas idéias e nas crenças. Fazia-se necessário,
portanto, andar com maior circunspecção, e não levianamente; ser positivista e
não idealista, para não me deixar iludir." Como se vê, a cautela do homem
maduro, experiente, culto, acostumado a tratar problemas humanos com os pés bem
firmados na terra, mas de olhos atentos ao brilho do céu.
Moisés havia enfrentado, na
antigüidade bíblica, os problemas da mediunidade, a partir dos
"Mistérios" egípcios, levando consigo pelo deserto um grupo de
médiuns, à frente dos quais se mantinha, nas ligações com o mundo espiritual.
Jesus fizera o mesmo, com o seu grupo de apóstolos, chegando ao episódio das
materializações do Tabor, e mais tarde das suas próprias manifestações nas
reuniões apostólicas. Mas, para ambos, faltara a condição ambiente, a
receptividade da mente humana para a compreensão exata do processo mediúnico.
Moisés e Jesus haviam trabalhado o barro místico do mundo antigo, modelando-o,
com dificuldade, na possível vasilha destinada a receber, mais tarde, o
conteúdo do espírito. O Prof. Rivail surgia muito depois da Idade Média e da
Renascença, depois do Mundo Moderno, no limiar do Mundo Contemporâneo. Tinha
diante dos olhos a vasilha preparada e ao alcance das mãos o conteúdo que a ela
se destinava. Estava livre das injunções do misticismo, em plena era da razão,
e podia não somente encarar, mas também e principalmente apresentar ao mundo o
problema, em sua verdadeira natureza.
Armado dos instrumentos culturais
da época, e da intuição necessária a superá-los, quando preciso, o Prof. Rivail
soube tirar da cesta-escrevente, para o novo mundo em que se encontrava, as
mesmas conseqüências, já agora com maiores possibilidades de desenvolvimento e
aproveitamento, que a antigüidade clássica haviam tirado da cesta-flutuante do
Nilo e da cesta-resplendente de Belém. Se Moisés e Jesus ouviam o Mundo Espiritual
e ofereciam aos homens a orientação para a transcendência, o Prof. Rivail
viu-se em condições de interpelar esse mundo, penetrar nos seus segredos,
dialogar com ele e convidar os homens a acompanhá-lo nesse diálogo. A
cesta-escrevente foi apenas o ponto de partida de um imenso diálogo, no plano
da inteligência, da razão, e da própria experimentação científica, entre o
Visível e o Invisível, que se prolongaria pelo futuro.
A natureza desse diálogo não é
mística, não é messiânica, porque os tempos são outros, e as portas do antigo
mistério se abriram ao impacto do raciocínio e da linguagem dos homens. Vejamos
ainda as anotações íntimas de Rivail: "Um dos primeiros resultados que
colhi das minhas observações, foi que os Espíritos, não sendo mais do que as almas
dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral. Que o
saber de que dispunham se reduzia ao grau de adiantamento que haviam atingido,
e que suas opiniões só tinham o valor das opiniões pessoais. Reconhecida esta
verdade, desde o princípio, ela me preservou do grave escolho de acreditar na
infalibilidade dos Espíritos, e me impediu ao mesmo tempo de formular teorias
prematuras, com base no que fosse dito por um ou por alguns deles." Esta
posição de Kardec é de importância fundamental para compreensão do Espiritismo.
Por não a conhecerem, ou por terem propositalmente fechado os olhos e os
ouvidos diante dela, espíritas, não-espíritas e antiespíritas, têm cometido as
mais graves injustiças ao codificador da doutrina e à sua obra.
Partindo da constatação de um
fato: a existência de um mundo invisível que circundava o visível, o Prof.
Rivail iniciou a exploração desse mundo. A mensagem da cesta-escrevente lhe
abrira as portas desse aspecto desconhecido da natureza, que uns fantasiavam e
outros negavam, em virtude mesmo da impossibilidade de conhecê-lo. Dali por
diante, a alma não seria mais do "outro mundo", mas deste mundo, e os
mistérios do além-túmulo estariam abertos à investigação positiva. Pouco
importa que os céticos tenham acusado Kardec de precipitação, enquanto os
místicos o acusavam de andar demasiado lento. O próprio tempo se incumbiu de
mostrar com quem estava a razão. Das investigações espíritas do Prof. Rivail
surgiram as experiências da Metapsíquica, as Sociedades de Pesquisa Psíquica, e
em nossos dias as investigações da Parapsicologia, em pleno campo
universitário, todas elas confirmando - esta última pelos métodos mais modernos
e rigorosos - aquilo que podemos chamar "a mensagem da cesta".
3. O ESPÍRITO VERDADE - A mensagem
da cesta-escrevente, como podemos ver no estudo da obra de Kardec, é a da
natureza positiva da alma, da sobrevivência do homem, não como fantasma, mas na
plenitude de sua personalidade. Ela tornou possível a investigação do mundo
espiritual, através dos próprios métodos da ciência experimental. Mas a ciência
nada mais é que uma forma de relação, pela qual o sujeito conhece o objeto. Se
a mensagem da cesta-escrevente não fosse além disso, estaríamos tão-somente em
face de um novo capítulo do desenvolvimento científico - exatamente o capítulo
que coube a Richet, no século passado, e a Rhine, neste século, desenvolverem,
com a elaboração sucessiva da Metapsíquica e da Parapsicologia. Em outras
palavras: o Espiritismo não seria mais do que um capítulo da Ciência.
Muito mais profunda, porém, se
apresenta a mensagem da cesta-escrevente, quando o Prof. Rivail, na sessão de
25 de março de 1856, em casa do Sr. Baudin, pergunta ao Espírito que o orienta
qual é a sua identidade. A reposta foi registrada nas anotações particulares de
Kardec, e hoje podemos lê-la em Obras Póstumas. Foi a seguinte:
"Para ti, chamar-me-ei
Verdade." No momento, certamente, ninguém percebeu o sentido dessa
resposta. O próprio Kardec anotará, mais tarde: "A proteção desse
Espírito, cuja superioridade eu estava, então, longe de imaginar, jamais, de
fato, me faltou." Kardec acentua ainda, nas anotações sobre a sessão de 8
de abril do mesmo ano, que o Espírito Verdade lhe prometera ajuda, para a
realização da sua obra, inclusive no tocante à vida material. A resposta do
Espírito, nesse ponto, encerra uma lição de amor: "Nesse mundo, a vida
material tem de ser levada em conta, e não te ajudar a viver seria não te
amar".
A análise destes fatos é
suficiente para destruir algumas tentativas de confusão sobre a obra de Kardec,
lançadas no meio espírita, e segundo as quais o Espírito Verdade só teria
auxiliado na elaboração de O Livro dos Espíritos. Veja-se a anotação do próprio
Kardec, de que a proteção desse espírito jamais lhe faltou. E veja-se a
declaração do próprio Espírito, de que o protegeria até mesmo no tocante aos
problemas da vida material, para que ele pudesse desincumbir-se da missão que
lhe era confiada. O Espírito Verdade não era apenas um símbolo, mas o Guia
Espiritual de toda uma falange de Espíritos Superiores, incumbida de dar
cumprimento à promessa do Cristo sobre o advento do Consolador. Essa falange,
por sua vez, não se restringe ao plano espiritual, mas se projeta na vida
material, através da encarnação dos seus elementos, incumbidos de atuarem neste
plano. Daí a referência do Espírito Verdade ao amor que o ligava a Kardec e lhe
impunha a necessidade de assisti-lo ao longo de sua vida.
Na sessão de 30 de abril de 1856,
em casa do Sr. Roustan, através da mediunidade da Srta. Japhet, o Prof. Rivail
tem, como ele mesmo anotou, a primeira revelação da sua missão. Conversava-se,
numa reunião "muito íntima", sobre as transformações sociais em
perspectiva, quando a médium, tocando na cesta escreveu espontaneamente uma bela
mensagem, em que anunciava uma fase de destruição, seguida de outra para
reconstrução. A interpretação dos presentes, inclusive do Prof. Rivail, como se
vê pelas suas notas, foi imediatista. As coisas anunciadas, entretanto, deviam
realizar-se em plano mais amplo. Vejamos este trecho: "Deixará de haver
religião; uma, entretanto, se fará necessária, mas verdadeira, grande, bela e
digna do Criador. Seus primeiros alicerces já foram colocados. Quanto a ti,
Rivail, tua missão se refere a esse ponto."
Participava da reunião um moço
que Kardec designa apenas pela inicial M, explicando que era dotado "de
opiniões radicalíssimas, envolvido nos negócios políticos e obrigado a não se
colocar muito em evidência ". Um revolucionário, portanto. O Espírito toma
esse moço como símbolo da primeira fase, a de destruição, e aponta para ele o
lápis da cesta, afirmando: "A ti, M., a espada que não fere, mas que mata:
és tu que virás primeiro. Ele, Rivail, a seguir; é o obreiro que reconstrói o
que foi demolido." Ao dirigir-se a Kardec, a cesta apontou para ele o
lápis, novamente, "como o teria feito uma pessoa que me apontasse com o
dedo.", segundo a anotação. Kardec informa que M., "acreditando
tratar-se de uma próxima subversão, aprestou-se a tomar parte nela e a combinar
planos de reforma". A mensagem, porém, tinha sentido mais amplo e mais
profundo, e suas profecias ainda se realizam, ainda se processam aos nossos
olhos.
André Moreil, em seu livro
recente sobre a vida e a obra de Allan Kardec (Editions Sperar, Paris, 1961 -La
Vie et L'Oeuvre d'Allan Kardec), acentua que o obreiro escolhido para a
reconstrução se pôs a trabalhar, mas era "um obreiro que tinha atrás de si
uma longa experiência pedagógica, que sabia tratar do problema, realizar as
experiências necessárias, enquadrá-lo num conjunto harmonioso e
arquitetural". Conclui afirmando: "Esse pensador laborioso é um
arquiteto, e o edifício por ele construído não poderá jamais ser destruído pela
crítica ou assalto dos adversários." Essa proclamação de Moreil, feita com
pleno conhecimento da causa espírita, nas letras francesas de hoje, reafirma a
perenidade da obra de Kardec e a sua vitalidade na França, de onde os
adversários querem nos convencer que ela foi excluída. A obra de Moreil tem
ainda outro sentido, ou seja, o de mostrar que a interpretação do Espiritismo
em seu tríplice aspecto, segundo o apresentaram Kardec, Sausse, Denis e outros,
- como ciência, filosofia e religião - conserva sua plena e vigorosa validade
no moderno pensamento espírita da França.
Com respeito ao Espírito Verdade,
Moreil sustenta a reivindicação kardeciana: "A obra espírita de Allan
Kardec, no seu aspecto religioso, aparece como um ditado do Espírito da
Verdade, que é justamente o Consolador. O Espiritismo é, portanto, a religião
fundada na promessa do Cristo: é o Terceiro Testamento anunciado aos
homens." E esclarece, a seguir: "O que é novo, portanto, no
Espiritismo, em relação à religião cristã, é a explanação mais lógica e mais
profundamente moral dos Evangelhos, no que eles possuem desde há dois mil anos."
E a propósito da incompreensão da natureza tríplice do Espiritismo,
particularmente dos seus aspectos científico e religioso, Moreil formula a
observação aguda e oportuna de que, para os sábios e para os teólogos, a
religião espírita é um absurdo. "Uns e outros - acentua ele - acham bons
pretextos para menosprezar a religiosidade do Espiritismo, como se a verdade
fosse dogmática ou ateísta."
4. A FALANGE DO CONSOLADOR -
Desde a promessa de Jesus, no Evangelho de João, até a vinda do Consolador,
podemos ver, através da História, o trabalho bimilenar de preparação que se
realizou, para o seu cumprimento. Bastaria isso para nos mostrar a importância
daquele momento em que o Espírito da Verdade se identificou para o Prof.
Rivail. Após dois mil anos de fermentação histórica, de doloroso amadurecimento
do homem, de criminosas deformações da mensagem cristã, afinal se tornava
possível o restabelecimento dos ensinos fundamentais em sua pureza primitiva.
De um lado, o Espírito da Verdade se apresentava aos homens, à frente de
elevadas entidades espirituais, que voltavam à Terra para completar a obra do
Cristo; de outro lado, Allan Kardec se colocava a postos, à frente de criaturas
espiritualizadas, dispostas a colaborarem na imensa tarefa. O Céu e a Terra se encontravam
e se davam as mãos. A Falange do Consolador não era apenas uma graça que descia
do alto, mas também uma equipe de trabalhadores humanos, que se elevava para
recebê-la.
A própria intimidade, logo
estabelecida entre o Espírito da Verdade e Allan Kardec, as relações afetivas
que se desenvolveram entre ambos, prolongando-se na consolidação de uma
profunda confiança espiritual, através de quinze anos de intensa atividade, é
suficiente para mostrar-nos quanto se acham integrados no mesmo esforço, para a
consecução do mesmo objetivo. Se o Espírito da Verdade comandava, por assim
dizer, as atividades no plano espiritual, Allan Kardec fazia o mesmo no plano
material. A falange do consolador se apresentava, portanto, como aquele grande
exército espiritual, de que nos fala Conan Doyle, que tinha à frente uma turma
de batedores. Desta vez, porém, os batedores estavam encarnados, constituíam a
ponta-de-lança, a vanguarda terrena. E seu chefe, seu comandante seu
orientador, era o Prof. Rivail, um homem de cinqüenta anos de idade, largamente
experimentado, duramente provado, intensamente preparado para a grande missão.
Somente ele, com o discernimento, a serenidade, a acuidade espiritual, o
desprendimento, a isenção de ânimo, a coragem e a profunda cultura que o caracterizavam,
podia colocar-se à frente da equipe que enfrentaria o "velho mundo",
eriçado de preconceito e ambições, para fazer nascer entre os homens a alvorada
de um "mundo novo", irradiante de compreensão e de amor.
As pessoas, que dotadas de um
certa cultura, entusiasmam-se hoje com a possibilidade da época, e pretendem
reformar a obra de Kardec, refundi-la, ou mesmo substituí-la por suas
elucubrações pessoais ou por instruções particulares que recebem de espíritos
pseudo-sábios, deviam meditar um pouco sobre a grandeza daquele momento em que
o Espírito da Verdade se revelou ao Prof. Rivail. O que então se cumpria era
uma promessa de Cristo, através de todo um imenso processo de amadurecimento
espiritual do homem terreno, Kardec era apenas o instrumento necessário à
elaboração do Terceiro Testamento, da codificação da Terceira Revelação, e
nunca, jamais, como ele mesmo acentuou, um Revelador, um Profeta, um Messias,
ou ainda um Filósofo, que por si mesmo elaborasse um novo sistema de
pensamento. De outro lado, o Espírito da Verdade não se dizia o detentor
exclusivo da Verdade, nem o Revelador Espiritual, mas o orientador dos
trabalhos de toda a Falange do Consolador.
Ao lado do Espírito da Verdade
encontramos toda a pléiade de entidades espirituais que subscrevem a mensagem
publicada nos "Prolegâmenos" de O Livro dos Espíritos, e as demais
que aparecem como autoras das numerosas mensagens transcritas nesse livro bem
como no Evangelho Segundo o Espiritismo e nas outras obras da codificação. Além
dessas entidades, as que não transmitiram mensagens diretas, mas auxiliaram o
advento do Espiritismo, em todo o mundo, através de operações invisíveis, mas
tão importantes, ou mais ainda do que as visíveis e ostensivas. Ao lado de
Allan Kardec, encontramos os seus colaboradores, desde os que foram incumbidos
de desperta-lhe a atenção para os fenômenos, e a que já aludimos várias vezes,
até os médiuns que mais diretamente o serviram, com as meninas Baudin, a Srta.
Japhet, a Srta. Ermance Dufaux, Camile Flamarion, Victorien Sardou,
Tiedeman-Manthese, Bemi Sausse, o editor Didier, Gabriel Delanne, os
companheiros da Sociedade Espírita de Paris, aquela que foi sua companheira de
vida e de lutas, Amélie Boudet, e tantos outros, inclusive os que, fora da
França, em todas as partes do mundo, se dispuseram a auxiliá-lo na grande
batalha.
Nem todos os componentes da
Falange do Consolador, na sua vanguarda encarnada, exerceram funções de
destaque. Entretanto, quantos trabalhadores humildes, que passaram
despercebidos aos olhos humanos, brilham felizes nas constelações espirituais.
À maneira do que se deu com a divulgação do Cristianismo, conhecemos um grupo
de espíritos que desempenharam atividades evidentes e ocuparam posições de
grande responsabilidade no trabalho missionário, mas desconhecemos milhares de
criaturas que, por toda parte, executaram tarefas de importância fundamental,
na obscuridade e na humildade. Da mesma maneira, não conhecemos a extensão dos
trabalhos espirituais, desenvolvidos no espaço, e ignoramos os nomes, até
mesmo, dos principais Espíritos a serviço da causa. Mas que importam os nomes,
se cada qual, no espaço e na Terra, teve a sua recompensa na própria
oportunidade de trabalho?
O importante é procurarmos
compreender o que foi esse momento histórico e espiritual do advento do
Consolador. A publicação de O Livro dos Espíritos, em primeira edição, a 18 de
abril de 1857, em Paris, marca o primeiro impacto da Doutrina Espírita no
século. Não é ainda o livro definitivo, em sua forma acabada, que só virá a tomar
com a Segunda edição. Mas é o primeiro clarão da grande alvorada. Depois, virão
O Livro dos Médiuns, em 1861, desenvolvendo e completando o livrinho Instruções
Práticas; O Evangelho Segundo o Espiritismo, em 1864, tendo nessa primeira
edição o título de "Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo", O
Céu e o Inferno, em 1865; A Gênese, os Milagres e as Predições, Segundo O
Espiritismo em 1868. Com esse livro, concluía a Codificação. No ano seguintes,
a 31 de março, Allan Kardec deixaria o mundo, encerrando sua missão. Mas
encerrando-a apenas no tocante aquela existência, pois o seu trabalho se
prolongaria pelos séculos, e os próprios Espíritos o advertiram da necessidade
de uma nova encarnação, para prosseguimento da obra iniciada.
A missão de Allan Kardec
Os primeiros contatos com os fenômenos mediúnicos
“Foi lá, (na casa da Sra. de Plainemaison, rua Grange-Batelière, nº 18) pela primeira vez, que fui testemunha do fenômeno das mesas girantes, e isso em condições tais que não me era mais possível a dúvida. Vi também algumas tentativas, muito imperfeitas, de escrita medianímica, sobre uma ardósia, com a ajuda de uma cesta. As minhas idéias estavam longe de ser detidas, mas havia ali um fato que deveria ter uma causa. Entrevi, sob essas futilidades aparentes e a espécie de jogo que se fazia desses fenômenos, alguma coisa de séria, e como a revelação de uma nova lei, que me prometia aprofundar.
Logo se ofereceu a ocasião de observar mais atentamente do que não o havia feito ainda. Num dos saraus da Sra. De Plainemaison, conheci a família Baudin, que morava então na rua Rochechouart. O Sr. Baudin ofereceu-me para assistir às sessões semanais que ocorriam em sua casa, e para as quais fui, desde esse momento, muito assíduo.
Essas reuniões eram bastante numerosas; além dos habituais, ali se admitia, sem dificuldade, a quem pedisse. As duas médiuns eram as Srtas. Baudin, que escreviam sobre uma ardósia com a ajuda de uma cesta, dita pião, descrita em O Livro dos Médiuns. Esse modo, que exige o concurso de duas pessoas, excluía toda possibilidade de participação das ideias do médium. Ali, vi comunicações seguidas, e respostas dadas às perguntas propostas, algumas vezes mesmo a perguntas mentais que acusavam, de maneira evidente, a intervenção de uma inteligência estranha.”
Os primeiros estudos sérios de espiritismo
“Foi lá que fiz os meus primeiros estudos sérios em Espiritismo, menos ainda pela revelação do que pela observação. Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método da experimentação; jamais ocasionei teorias preconcebidas: observava atentamente, comparava, deduzia as consequências; dos efeitos procurava remontar às causas, pela dedução e o encadeamento lógico dos fatos, não admitindo uma explicação como válida senão quando podia resolver todas as dificuldades da questão. Foi assim que sempre procedi em meus trabalhos anteriores, desde a idade de 15 a 16 anos. Compreendi, desde logo, a seriedade da exploração que iria empreender; entrevi, nesses fenômenos, a chave do problema, tão obscuro e tão controverso, do passado e do futuro da Humanidade, a solução do que havia procurado em toda a minha vida; era, em uma palavra, toda uma revelação nas idéias e nas crenças; seria preciso, pois, agir com circunspeção, e não levianamente; ser positivo e não idealista, para não se deixar iludir.
Um dos primeiros resultados de minhas observações foi que os Espíritos, não sendo outros senão as almas dos homens, não tinham a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que o seu saber estava limitado ao grau de seu adiantamento, e que a sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião pessoal. Essa verdade, reconhecida desde o princípio, me preservou do grande escolho de crer em sua infalibilidade, e me impediu de formular teorias prematuras sobre o dizer de um só ou de alguns.
Só o fato da comunicação com os Espíritos, seja o que for que se possa dizer, provava a existência do mundo invisível ambiente; era já um ponto capital, um campo imenso aberto à nossa exploração, a chave de uma multidão de fenômenos inexplicados; o segundo ponto, não menos importante, era o de conhecer o estado desse mundo, seus costumes, podendo-se assim se exprimir; vi logo que, cada Espírito, em razão de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, dele me desvendava uma fase, absolutamente como se chega a conhecer o estado de um país interrogando os habitantes de todas as classes e de todas as condições, cada um podendo nos ensinar alguma coisa, e nenhum, individualmente, não podendo nos ensinar tudo; cabe ao observador formar o conjunto com a ajuda de documentos recolhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e controlados uns pelos outros. Agi, pois, com os Espíritos, como o teria feito com os homens; foram para mim, desde o menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados.”
Noticias e desempenho na missão
Em 12 de junho de 1856, pela mediunidade da senhorita Aline C..., o professor Rivail dirige-se ao Espírito Verdade com a intenção de obter mais informações acerca da missão que alguns espíritos já lhe haviam apontado: missionário-chefe da nova doutrina. Estabeleceu-se, então, o diálogo que segue:
Pergunta (À Verdade) – “Bom Espírito, desejaria saber o que pensais da missão que me foi assinada apor alguns Espíritos; quereis dizer-me, eu vos peço, se é uma prova para o meu amor-próprio. Sem dúvida, vós o sabeis, tenho o maior desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário como chefe, a distância é grande, e eu não compreenderia o que poderia justificar, em mim, um tal favor, de preferência a tantos outros que possuem talentos e qualidades que não tenho.”
Resposta – “Confirmo o que te foi dito, mas convido-te a muita discrição, se quiseres vencer. Saberás, mais tarde, coisas que te explicarão o que te surpreende hoje. Não olvideis que podeis vencer, como podeis falir; neste último caso, um outro te substituiria, porque os desígnios do Senhor não repousam sobre a cabeça de um homem. Não fales, pois, jamais da tua missão: esse seria o meio de fazê-la fracassar. Ela não pode ser justificada senão pela obra realizada, e ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens te reconhecerão, cedo ou tarde, eles mesmos, porque é pelos frutos que se reconhece a qualidade da árvore.”
Pergunta – “Certamente, não tenho nenhuma vontade de me gabar de uma missão na qual creio apenas eu mesmo. Se estou destinado a servir de instrumento para os objetivos da Providência, que ela disponha de mim; mas, nesse caso, reclamo a vossa assistência e a dos bons Espíritos para me ajudarem e me sustentarem na tarefa.”
Resposta – “A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de tua parte, não fizeres o que é necessário. Tens o teu livre arbítrio; cabe a ti usá-lo como entendes; nenhum homem está constrangido a fazer fatalmente uma coisa. “
Pergunta – “Quais são as causas que poderiam me fazer fracassar? Seria a insuficiência de minhas capacidades?”
Resposta – “Não; mas a missão dos reformadores está cheia de escolhos e de perigos; a tua é rude, disso te previno, porque é o mundo inteiro que se trata de agitar e de transformar. Não creias que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, e permaneceres tranquilamente em tua casa; não, ser-te-á preciso expor-te ao perigo; levantarás contra ti ódios terríveis; inimigos obstinados conjurarão a tua perda; estarás em luta contra a malevolência, a calúnia, a traição mesmo daqueles que te parecerão os mais devotados; tuas melhores instruções serão desconhecidas e desnaturadas; mais de uma vez, sucumbirás sob o peso da fadiga; em uma palavra, será uma luta quase constante que terás que sustentar, e o sacrifício de teu repouso, de tua tranqüilidade, de tua saúde,e mesmo de tua vida, porque sem isso viverias por muito mais tempo. Pois bem! mais de um recua quando, em lugar de um caminho florido, não encontra sob os seus passos senão espinheiros, pedras agudas e serpentes. Para tal missão, a inteligência não basta. É necessário primeiro, para agradar a Deus, a humildade, a modéstia, o desinteresse, porque ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os homens é necessário coragem, perseverança, e uma firmeza inabalável; é preciso também da prudência e do tato, para conduzir as coisas a propósito, e não comprometer-lhe o sucesso por medidas, ou por palavras, intempestivas; é preciso, enfim, do devotamento, da abnegação, e estar pronto para todos os sacrifícios. Vês que a tua missão está subordinada a coisas que dependem de ti.”
Após o diálogo com o Espírito Verdade, estando mais lúcido sobre o que lhe competiria fazer daí para adiante, Rivail elevou a Deus uma prece, revelando humildade e total submissão aos desígnios superiores.
“Senhor! Se vos dignastes lançar os olhos sobre mim para o cumprimento de vossos desígnios, que seja feita a vossa vontade! A minha vida está em vossas mãos, disponde do vosso servidor. Em presença de uma tão grande tarefa, reconheço a minha fraqueza; minha boa vontade não faltará, mas, talvez, as minhas forças me trairão. Supri a minha insuficiência; dai-me as forças físicas e morais que me forem necessárias. Sustentai-me nos momentos difíceis, e com a vossa ajuda, e a de vossos celestes mensageiros, esforçar-me-ei para corresponder aos vossos objetivos.”
No que diz respeito ao teor do diálogo travado com o Espírito Verdade, Kardec registra, dez anos depois, as seguintes observações:
“Escrevo esta nota em 1º de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que esta comunicação me foi dada, e constato que ela se realizou em todos os pontos, porque sofri todas as vicissitudes que me foram anunciadas.Fui alvo do ódio de inimigos obstinados, da injúria, da calúnia, da inveja e do ciúme; libelos infames foram publicados contra mim; as minhas melhores instruções foram desnaturadas; fui traído por aqueles em quem coloquei a minha confiança, pago com a ingratidão por aqueles a quem prestei serviço. A Sociedade de Paris foi um foco contínuo de intrigas urdidas por aqueles mesmos que se diziam por mim, e que, fazendo cara boa diante de mim, me dilaceravam por detrás. Disseram que aqueles que tomavam o meu partido eram assalariados por mim com o dinheiro que eu recolhia do Espiritismo. Não mais conheci o repouso; mais de uma vez sucumbi sob o excesso de trabalho, a minha saúde foi alterada e a minha vida comprometida.
No entanto, graças à proteção e à assistência dos bons Espíritos que me deram, sem cessar, provas manifestas de sua solicitude, estou feliz em reconhecer que não senti, um só instante, o desfalecimento nem o desencorajamento, e que constantemente persegui a minha tarefa com o mesmo ardor, sem me preocupar com a malevolência de que era objeto. Segundo a comunicação do Espírito Verdade, deveria esperar tudo isso, e tudo se verificou.
Mas também, ao lado dessas vicissitudes, que satisfação senti vendo a obra crescer de modo tão prodigioso! Com quantas doces consolações as minhas tribulações foram pagas! Quantas bênçãos, quantos testemunhos de real simpatia, não recebi da parte dos numerosos aflitos que a Doutrina consolou! Esse resultado não me fora anunciado pelo Espírito Verdade que, sem dúvida, desejou não me mostrar senão as dificuldades do caminho. Quanto não seria, pois, a minha ingratidão se eu me queixasse! Se dissesse que há uma compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade, porquanto o bem, entendo as satisfações morais, superaram muito sobre o mal.
Quando me chegava uma decepção, uma contrariedade qualquer, elevava-me, pelo pensamento, acima da Humanidade; colocava-me, por antecipação, na região dos Espíritos e, desse ponto culminante, de onde descobria o meu ponto de atraso, as misérias da vida deslizavam sobre mim sem me atingir. Fizera-me disso um tal hábito que os gritos dos maus jamais me perturbaram.”
O nome Allan Kardec
Quando da publicação de O Livro dos Espíritos, o autor se viu diante de um sério problema: Como assinar o trabalho? E mais uma vez prevaleceu o bom senso do professor Rivail, segundo se depreende das palavras do biógrafo:
“No momento de publicá-lo – diz H. Sausse, o Autor ficou muito embaraçado em resolver como o assinaria, se com seu nome, ou com um pseudônimo. Sendo o seu nome muito conhecido do mundo cientifico, em virtude dos seus trabalhos anteriores, e podendo originar confusão, talvez mesmo prejudicar o êxito do empreendimento, ele adotou o alvitre de o assinar com o nome Allan Kardec, nome que, segundo lhe revelara o guia Zéfiro, ele tivera ao tempo dos druidas.”
As obras Espíritas
Além de O Livro dos Espíritos, saído a lume em 18 de abril de 1857, Kardec escreveu muitas outras obras espíritas, das quais se destacam: A Revista Espírita; O que é o Espiritismo; O Livro dos Médiuns; O Evangelho Segundo o Espiritismo; A Gênese. Após a sua desencarnação, foi publicado em 1890, em paris, por P. G. Laymarie, o livro Obras Póstumas – Coletânea de escritos do Codificador do Espiritismo.
Não menos importante é a correspondência, mediante a qual Kardec estabeleceu contato com escritores, políticos, eclesiásticos, sábios, pessoas de todas as condições e de todos os lugares, esforçando-se por consolar, satisfazer e instruir, abrindo às almas aflitas e torturadas as ridentes e doces perspectivas da vida supraterrestre.
A atuação de Kardec na codificação da Doutrina Espírita
É voz geral entre os estudiosos da Doutrina Espirita – no que diz respeito ao trabalho da codificação – que Kardec não foi simples compilador, tendo sua tarefa ido muito alem da coleta e seleção do material, isto é, das mensagens recebidas do mundo espiritual. Sobre este assunto, Wantuil e Thiesen fazem os seguintes comentários:
“Conquanto Kardec sempre repetisse que o mérito da obra cabia todo aos Espíritos que a ditaram, não é menos verdadeira que a ele é que coube a ingente tarefa de organizar e ordenar as perguntas (e que perguntas!) sobre os assuntos mais simples aos mais complexos, abrangendo variados ramos do conhecimento humano. A distribuição didática das matérias encerradas no texto; a redação de comentários às respostas dos Espíritos, os quais primam pela cisão e pela clareza com que foram expostos; a precisão com que intitula capítulos e subcapítulos; as elucidações complementares de sua autoria; as observações e anotações, as paráfrases e conclusões, sempre profundas e incisivas; e bem assim a sua notável Introdução – tudo isso atesta a grande cultura de Kardec, o carinho e a diligencia com que ele se houve no afanoso trabalho que se comprometera a publicar. Kardec fez o que ninguém ainda havia feito: foi o primeiro a formar com os fatos observados um corpo de Doutrina metódico e regular, claro e inteligível para todos, extraindo do amontoado caótico de mensagens mediúnicas os princípios fundamentais com que elaborou uma nova doutrina filosófica de caráter cientifico e de consequências morais ou religiosas.”
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