1. Concepção religiosa de Deus
Em geral, as religiões monoteístas são concordantes em três aspectos
relacionados aos atributos divinos: onipotência (poder absoluto
sobre todas as coisas); onipresença (poder divino de estar presente em
todos lugares, ao mesmo tempo); e onisciência (poder de tudo saber).
Esses e outros atributos divinos são encontrados nos respectivos livros
sagrados — fonte de referência de cada religião.
Assim, no Judaísmo temos a Bíblia Judaica ou Tanakh1
—
composta pelos ensinamentos da Torah (Leis), do livro dos Profetas e
do livro dos Ensinos. A concepção de Deus no Judaísmo é exclusivamente
monoteísta. O Deus de Israel é cognominado por dois nomes
principais, na Bíblia. Um é YHWH (Yahweh), o outro nome, é Eloim
— palavra hebraica utilizada para designar divindades e poderes celestiais,
em especial Deus único, do Tanakh e da Bíblia Cristã. Na Torá
está escrito no livro Gênesis (Bereshit): “No princípio criou Elohim aos
céus e a terra”.
O judaísmo é considerado a primeira religião monoteísta a
aparecer na face da Terra. Tem como crença principal a existência
em Deus único, criador de tudo o que existe no Planeta e fora deste,
no Universo. Para os judeus, Deus fez uma aliança com os hebreus,
tornando-os povo escolhido, e prometendo-lhes a terra prometida.
Com base nos registros de suas escrituras sagradas, acredita-se que por
volta de 1800 a.C., o patriarca Abraão recebeu um sinal de Deus para
abandonar o politeísmo e que fosse viver em Canaã ( atual Palestina).
A fé judaica é praticada em várias regiões do mundo, porém é no
estado de Israel que se concentra um grande número de praticantes.
A Bíblia Sagrada ou Cristã2
é a principal fonte dos ensinamentos
religiosos no Ocidente. Difere em alguns aspectos da Bíblia judaica,
mas mantém a divisão em duas seções: Velho ou Antigo Testamento
— também conhecido como Escrituras Hebraicas, constitui a primeira
grande parte da Bíblia cristã, e a totalidade da Bíblia hebraica.
Os escritos foram redigidos em hebraico ou aramaico. A tradição
cristã divide o Antigo Testamento em outras partes, e reordena os
livros, dividindo-os em categorias: Lei, História, Poesia (ou livros de
sabedoria) e Profecias.
O Novo Testamento relata a história de Jesus e da constituição
do Cristianismo. É o nome dado à coleção de livros que compõem a
segunda parte da Bíblia cristã. Seu conteúdo foi escrito após a morte
de Jesus Cristo e é dirigido explicitamente aos cristãos, embora
dentro da religião cristã tanto o Antigo quanto o Novo Testamento
sejam considerados, em conjunto, Escrituras Sagradas. Os livros que
compõem essa segunda parte da Bíblia foram escritos à medida que
o cristianismo era difundido no mundo antigo, refletindo e servindo
como fonte para a teologia das doutrinas cristãs . Trata-se de uma coleção
de 27 livros que influenciou não apenas a religião, a política e a
filosofia, mas também deixou sua marca permanente na literatura, na
arte e na música. Os textos originais foram escritos por seus respectivos
autores a partir do ano 42 d.C., em grego koiné, a língua franca da
parte oriental do Império Romano, onde também foram compostos.
Cristo é o termo usado em português para traduzir a palavra grega
Χριστός (Khristós) que significa “Ungido”. O termo grego, por sua vez,
é uma tradução do termo hebraico מָשִׁחי) ַMāšîaḥ), transliterado para
o português como Messias. A palavra é normalmente interpretada
como o apelido de Jesus por causa das várias menções a “Jesus Cristo”
na Bíblia. A palavra é, na verdade, um título, daí o seu uso tanto em
ordem direta “Jesus Cristo” como em ordem inversa “Cristo Jesus”,
significando neste último O Ungido, Jesus. Os seguidores de Jesus
são chamados de cristãos porque acreditam que Jesus é o Cristo, ou
Messias, sobre quem falam as profecias da Tanakh (que os cristãos
conhecem como Antigo Testamento). A maioria dos judeus rejeita
essa reivindicação e ainda espera a vinda do Cristo [...]. A maioria
dos cristãos espera pela segunda vinda de Cristo quando acredita que
Ele cumprirá o resto das profecias messiânicas. (http:// pt.wikipedia.
org/wiki/Cristo)
Alcorão3
é o livro sagrado do Islamismo, religião monoteísta
que surgiu na Península Arábica no século VII, baseada nos ensinamentos
religiosos transmitidos pelo Anjo Gabriel ao profeta Maomé
(Muhammad).
O Islã ou Islamismo crê que Allah (Alá) é o único Deus, todo
poderoso, o misericordioso. Assim islã significa submeter-se à lei e à
vontade de Allah, ou seja, os seguidores do Islã devem revelar total
submissão a Deus.
Alá é uma palavra formada pelo AL (A) e IDÁ (Divindade).
Nome dado a Deus pelos mulçumanos, e que eles empregam como
exclamação “Meu Deus!”
A mensagem do Islamismo, referente a Deus e à vontade divina,
é revestida de admirável simplicidade: para atingir a salvação basta
acreditar num único Deus (Allah), rezar cinco vezes por dia, voltado
para a direção de Meca (cidade sagrada), submeter-se ao jejum anual
no mês do Ramadan (“jejum’) — que acontece no nono mês lunar do
calendário muçulmano, considerado tempo de renovação da fé, da
prática mais intensa da caridade, e vivência profunda da fraternidade
e dos valores da vida familiar. Neste período pede-se ao crente maior
proximidade com os valores sagrados, leitura mais assídua do Alcorão,
frequência à mesquita, correção pessoal e autodomínio, pagar dádivas
ou tributos ritualísticos e, se possível, fazer peregrinação à cidade de
Meca, pelo menos uma vez na vida.
Há outras interpretações religiosas existentes no Planeta, muitas
delas derivadas direta ou indiretamente desse núcleo monoteísta.
Temos, assim, o Avesta4
dos zoroastrianos; o Livro de Mórmon5
dos
mórmons, denominados “os santos dos últimos dias”; o livro do Guru
Granth Sahib6
, do sikhismo; o Bayán (ou Exposição)7
, dos baybismos
(ou babis); e o Kitáb-i-Aqdas8
dos praticantes da Fé Bahá’í.
2. Concepção filosófica de Deus
Para Léon Denis, o grande filósofo espírita do passado, a ideia
de Deus “[...] se afirma e se impõe, fora e acima de todos os sistemas,
de todas as filosofias, de todas as crenças”.9
Importa considerar, porém,
que, ainda que a crença em Deus esteja fundamentada nos ensinamentos
de uma dada religião ou filosofia, é preciso admitir que tal
compreensão se amplia com o tempo, à medida que o homem evolui.
Por mais “legalista” que seja uma religião, por mais que se aferre
aos dogmas e às interpretações literais da mensagem espiritual, o
progresso humano imprime modificações, ainda que a essência dos
ensinamentos permaneça inalterada. Dessa forma, o que era considerado
inadmissível no passado, às vezes nem tão longínquo, é aceito
no mundo atual.
Esta é a principal razão de se acreditar que o futuro nos brindará
com uma crença universal em Deus, independentemente do seguimento
religioso a que o crente se encontre filiado. Além da ideia de Deus,
outros conceitos espirituais serão também objeto de entendimento
pacífico, devido à visão universalista que o homem espiritualmente
amadurecido terá da religião. Concordamos, pois, com Denis, quando
ele afirma que
Deus é maior que todas as teorias e todos os sistemas. Deus é soberano
a tudo. O Ser divino escapa a toda a denominação e a qualquer medida
e, se lhe chamamos Deus, é por falta de um nome maior, assim o disse
Victor Hugo [1802–1885]. A questão sobre Deus é o mais grave de
todos os problemas suspensos sobre nossas cabeças e cuja solução se
liga, de maneira restrita, imperiosa, ao problema do ser humano e do
seu destino, ao problema da vida individual e da vida social.9
O moderno estudo filosófico das religiões enfatiza a análise das
revelações religiosas à luz da razão. Sendo assim, a filosofia da religião,
enquanto disciplina filosófica, investiga nas crenças religiosas princí-
pios universais (como a ideia de Deus), com o objetivo de determinar
se são justificados, separando-os das práticas teológicas e ritualísticas.
Para melhor compreender o conceito de filosofia da religião,
lembramos o que a respeito foi ensinado pelo filósofo alemão
Immanuel Kant (1724–1804), considerado o pai da ética moderna,
mas que foi proibido pelo rei Frederico Guilherme II, da Prússia, em
1792, de dar aulas ou escrever sobre Deus e religião, por considerar
as ideias do filósofo muito avançadas para a época. Hoje, contudo, o
pensamento de Kant é naturalmente aceito, como se percebe no texto
que se segue, escrito por ele:
A religião (considerada subjetivamente) é o conhecimento de todos
os nossos deveres como mandamentos divinos. Aquela em que devo
saber de antemão que alguma coisa é um mandamento divino, para
reconhecê-lo como meu dever, é a religião revelada (ou que exige uma revelação). Ao contrário, aquela em que devo saber de antemão que
alguma coisa é um dever antes que possa reconhecê-lo como mandamento
de Deus, é a religião natural. [...] Disso decorre que uma religião
pode ser a religião natural ao mesmo tempo que é também revelada,
se for construída de tal modo que os homens pudessem ou devessem
chegar a ela graças unicamente ao uso da razão [...]. Disso decorre que
uma revelação dessa religião num tempo e local determinado poderia
ser sábia e proveitosa para o gênero humano, na condição contudo
que [...] cada um possa se convencer daí em diante da verdade que
ela comporta para si e para a própria razão. Nesse caso, a religião é
objetivamente religião natural, embora subjetivamente seja revelada.10
Os religiosos mais esclarecidos apoiam tranquilamente essas
ideias de Kant, que nos apresenta uma visão racional e, ao mesmo
tempo, universalista. Com base em princípios filosóficos semelhantes,
a Filosofia da Religião construiu um sistema que trata da natureza
ou atributos de Deus — assim como de outros princípios religiosos
básicos, cuja síntese está registrada em seguida.
Teísmo
Teísmo (do grego Théos, significa Deus) é a doutrina que etimologicamente
se refere à crença na existência de um ser ou seres superiores.
O sentido mais difundido na sociedade, a partir do século XVII,
é a existência de um único Deus, ser absoluto e transcendental que
se manifesta no mundo por meio de Sua Providência (a Providência
Divina). Faz oposição ao ateísmo, que nega a existência da Divindade,
e à doutrina panteísta que admite seja cada ser uma parcela de Deus.11
A existência de Deus no teísmo pode ser provada pela razão,
prescindindo da revelação, mas não a nega. Seu ramo principal é o
teísmo cristão, que fundamenta a crença em Deus na Sua revelação
sobrenatural, presente na Bíblia. Pode-se afirmar, portanto, que o teísmo
“[...] é um aspecto essencial do espiritualismo [...] contemporâneo,
especialmente na sua reação ao idealismo romântico, que é sempre
tendencialmente panteísta.”12
Há três formas de conceber a manifestação teísta:
a) politeísta
— crença em vários deuses (exemplo: religiões primitivas e animistas);
b) monoteísta — crença na existência de um único Deus, Criador
Supremo (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, e crenças daí derivadas);
c) henoteísmo — crença em vários deuses, na qual se admite a existência de um Deus supremo que governa outros menores (exemplo:
Hinduísmo).
Deísmo
Deísmo é uma postura filosófico-religiosa que admite a existência
de Deus como Criador Supremo, mas questiona a ideia da revelação
divina aos homens. Em outras palavras, é a doutrina que considera a
razão como a única via capaz de assegurar a existência de Deus. Os
deístas não se prendem, em geral, a uma religião organizada.
Voltaire (1694–1778), filósofo e escritor iluminista francês, conhecido
pela sua perspicácia e espirituosidade na defesa das liberdades
civis, inclusive da liberdade religiosa, legítimo representante do pensamento
deísta, afirmou: “O conhecimento de Deus não foi impresso
em nós pelas mãos da Natureza, pois todos os homens teriam a mesma
ideia, e ideia alguma nasce conosco”.13
A despeito do brilhantismo do seu pensamento, revelado em
diferentes campos do conhecimento, no caso da ideia de Deus, Voltaire
descarta a ideia inata de Deus, desconhecendo, portanto, a possibilidade
de a criatura humana trazer consigo, desde o nascimento, a crença
em Deus, claramente explicada pela tese reencarnacionista.
3. Concepção científica de Deus
Em geral, a Ciência não cogita da existência de Deus, mas
muitos cientistas, inclusive alguns de renome, aceitam a ideia e têm
apresentado boas contribuições a respeito do assunto. Um deles foi
Albert Einstein, que afirmou: “[...] Minha religião consiste em humilde
admiração do Espírito superior e ilimitado que se revela nos menores
detalhes que podemos perceber em nossos espíritos frágeis e incertos.
Essa convicção, profundamente emocional na presença de um poder
racionalmente superior, que se revela no incompreensível Universo,
é a ideia que faço de Deus”.14
Outro respeitável cientista que aceita e divulga sua crença em
Deus é o americano Francis S. Collins, pai do projeto Genoma, autor
do livro A linguagem de Deus, que merece ser lido. “O cientista percorreu
o árduo caminho de ateu confesso a cristão convicto, enfrentando
inúmeras dificuldades no meio acadêmico para confessar a sua crença
em Deus. Percebeu quão limitada é a visão dos cientistas em relação a certos questionamentos humanos, tais como: “Por que estamos aqui?”
“Qual o sentido da vida?”.15
Na última parte do livro, intitulada “Fé na ciência, fé em Deus”,
encontramos uma linha histórica da evolução do conceito de Deus,
contendo citações do livro bíblico Gênesis, de estudos de Galileu e de
outros cientistas de renome, do passado e do presente, e as ideias essenciais
da Teoria das Espécies, de Charles Darwin. Faz lúcida análise
da Criação Divina, tendo como pano de fundo expressivas posições
religiosas e científicas, tanto as favoráveis quanto as contrárias. Por
fim, propõe a alternativa da união harmônica entre a Ciência e a fé.16
4. A concepção espírita de Deus
A Doutrina Espírita nos revela Deus de forma semelhante às
demais revelações monoteístas (Pai e Criador Supremo), ainda que não
ignore a existência de pontos interpretativos diferentes. Os seguintes
exemplos servem para exemplificar o assunto.
– Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as
coisas.
17 Significa dizer que o Espiritismo não se orienta pela visão
antropomórfica de Deus (“um homem em ponto maior”), ainda que
mantenha a concordância com as demais religiões monoteístas de que
Deus é o Criador Supremo, do Universo e dos seres.
– A ideia de Deus é inata, não resulta da educação religiosa. Ensinam
os Espíritos superiores que se a ideia de Deus fosse aprendida
apenas pelo ensino, os selvagens não trariam consigo este sentimento.18
Kardec, por sua vez esclarece que se “[...] o sentimento da existência
de um ser supremo fosse apenas produto de um ensino, não seria
universal e, como sucede com as noções científicas, só existiria nos
que houvessem podido receber esse ensino.”19
– Devemos amar, não temer a Deus. Muitas religiões ensinam
que os males que nos acontecem são punições divinas pelos nossos
pecados. O Espiritismo ensina que devemos amar a Deus, que é Pai
justo e misericordioso, na forma que Jesus nos revelou. Os males que
sofremos são decorrentes do uso incorreto do livre-arbítrio: “Dando
ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa toda a responsabilidade
de seus atos e de suas consequências”.20
– Pelo trabalho no bem o homem aprende a servir a Deus e
dele se aproxima. Inúmeras práticas religiosas existem para agradar
a Deus, acreditando que, assim, O esteja servindo. Não deixa de ser
um raciocínio ingênuo, uma vez que o Pai Celestial não necessita de
manifestações de culto externo. O trabalho no bem revela melhoria
espiritual e consciência da necessidade de cumprir as leis divinas: “[...]
o progresso da Humanidade tem seu princípio na aplicação da lei de
justiça, amor e caridade. [...] dessa lei derivam todas as outras, porque
ela encerra todas as condições da felicidade do homem”.21
– A existência de Deus é comprovada por meio do axioma de que
“não há efeito sem causa”.
[...] Lançando o olhar em torno de si, sobre as obras da Natureza, observando
a previdência, a sabedoria, a harmonia que preside a todas as
coisas, reconhece-se não haver nenhuma que não ultrapasse os limites
da mais talentosa inteligência humana. Ora, desde que o Homem não
as pode produzir, é que elas são produto de uma inteligência superior
à Humanidade, salvo se sustentarmos que há efeitos sem causa.22
Referências
1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Tanakh
2. http://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%ADblia
3. http://pt.wikipedia.org/wiki/Alcor%C3%A3o
4. http://pt.wikipedia.org/wiki/Avesta
5. http://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_de_M%C3%B3rmon
6. http://pt.wikipedia.org/wiki/Sikhismo
7. http://pt.wikipedia.org/wiki/Babismo
8. http://pt.wikipedia.org/wiki/Kit%C3%A1b-i-Aqdas
9. DENIS, Léon. O grande enigma. 1. edição especial. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Primeira
parte, cap. V, p. 65.
10. KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão. Tradução de Ciro Mioranza. 2.
ed. São Paulo: Escala, 2008, p. 177-178.
11. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo:
Martins Fontes, 2003, p. 942-943.
12. . p. 943.
13. VOLTAIRE. Dicionário filosófico. Tradução Ciro Mioranza e Antonio Geraldo da Silva.
São Paulo: Escala, 2008, p. 207.
Fonte
http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2013/04/EADE-5-CIENCIA-E-FILOSOFIA-ESPIRITAS.pdf
Sendo
Deus a causa primária de todas as coisas, a origem de tudo o que existe, a base
sobre que repousa o edifício da Criação, é também o ponto que importa
consideremos antes de tudo.
Constitui
princípio elementar que pelos seus efeitos é que se julga de uma causa, mesmo
quando ela se conserve oculta.
Se,
fendendo os ares, um pássaro é atingido por mortífero grão de chumbo, deduz-se
que hábil atirador o alvejou, ainda que este último não seja visto. Nem sempre, pois; se faz necessário vejamos uma coisa, para
sabermos que ela existe. Em tudo, observando os efeitos
é que se chega ao conhecimento das causas.
Outro
princípio igualmente elementar e que, de tão verdadeiro, passou a axioma é o de
que todo efeito inteligente tem que decorrer de uma causa inteligente.
Se
perguntassem qual o construtor de certo mecanismo engenhoso, que pensaríamos de
quem respondesse que ele se fez a si mesmo? Quando se
contempla, uma obra-prima da arte ou da indústria, diz-se que há de tê-la
produzido um homem de gênio, porque só uma alta inteligência poderia
concebê-la. Reconhece-se, no entanto, que ela é obra de um homem, por se
verificar que não está acima da capacidade humana; mas, a ninguém acudirá a
ideia de dizer que saiu do cérebro de um idiota ou de um ignorante, nem, ainda
menos, que é trabalho de um animal, ou produto do acaso.
Em toda
parte se reconhece a presença do homem pelas suas obras. A
existência dos homens antediluvianos não se provaria unicamente por meio dos
fósseis humanos: provou-a também, e com muita certeza, a presença, nos terrenos
daquela época, de objetos trabalhados pelos homens; um fragmento de vaso, uma
pedra talhada, uma arma, um tijolo bastarão para lhe atestar a presença. Pela grosseria ou perfeição do trabalho, reconhecer-se-á o grau
de inteligência ou de adiantamento dos que o executaram. Se,
pois, achando-vos numa região habitada exclusivamente por selvagens,
descobrirdes uma estátua digna de Fídias, não hesitareis em dizer que, sendo
incapazes de tê-la feito os selvagens, ela é obra de uma inteligência superior
à destes.
Pois bem!
lançando o olhar em torno de si, sobre as obras da Natureza, notando a
providência, sabedoria, a harmonia que presidem a essas obras, reconhece o
observador não haver nenhuma que não ultrapasse os limites da mais portentosa
inteligência humana. Ora, desde que o homem não as pode produzir, é que elas
são produto de uma inteligência superior à humanidade, a menos se sustente que
há efeitos sem causa.
As obras
ditas da Natureza são produzidas por forças materiais que atuam mecanicamente,
em virtude das leis de atração e repulsão; as moléculas
dos corpos inertes se agregam e desagregam sob o império dessas leis. As plantas nascem, brotam, crescem e se multiplicam sempre da
mesma maneira, cada uma na sua espécie, por efeito daquelas mesmas leis; cada indivíduo se assemelha ao de quem ele proveio; o crescimento, a floração, a frutificação, a coloração se acham
subordinados a causas materiais, tais como o calor, a eletricidade, a luz, a
umidade, etc. O mesmo se dá com os animais. Os astros se formam pela atração molecular e se movem
perpetuamente em suas órbitas por efeito da gravitação. Essa
regularidade mecânica no emprego das forças naturais não acusa a ação de
qualquer inteligência livre. O homem movimenta o braço
quando quer e como quer; aquele porém, que o movimentasse no mesmo sentido,
desde o nascimento até a morte, seria um autômato; ora as forças orgânicas da
Natureza são puramente automáticas.
Tudo isso
é verdade; mas, essas forças são efeitos que hão de ter uma causa e ninguém
pretende que elas constituam a divindade. Elas são
materiais e mecânicas; não são de si mesmas inteligentes, também isto é
verdade, mas, são postas em ação, distribuídas, apropriadas às necessidades de
cada coisa por uma inteligência que não é a dos homens. A
aplicação útil dessas forças é um efeito inteligente, que denota uma causa
inteligente. Um pêndulo se move com automática
regularidade e é nessa regularidade que lhe está o mérito. É toda material a
força que o faz mover-se e nada tem de inteligente. Mas que seria esse pêndulo,
se uma inteligência não houvesse combinado, calculado, distribuído o emprego
daquela força, para faze-lo andar com precisão? Do fato de não estar a
inteligência no mecanismo do pêndulo e do de que ninguém a vê, seria racional
deduzir-se que ela não existe? Apreciamo-la pelos seus efeitos.
A
existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; a engenhosidade do
mecanismo lhe atesta a inteligência e o saber. Quando um relógio vos dá, no
momento preciso, a indicação de que necessitais, já vos terá vindo à mente
dizer: aí está um relógio bem inteligente?
A existência
de Deus é, pois, uma realidade comprovada não só pela revelação, como pela
evidência material dos fatos. Os povos selvagens nenhuma
revelação tiveram; entretanto, creem instintivamente na existência de um poder
sobre-humano; eles veem coisas que estão acima das possibilidades do homem e
deduzem que essas coisas provêm de um ente superior à Humanidade. Não
demonstram raciocinar com mais lógica do que os que pretendem que tais coisas
se fizeram a si mesmas?
Não é
dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para
compreendê-lo, ainda nos falta o sentido próprio, que só se adquire por meio da
completa depuração do Espírito. Mas, se não pode
penetrar na essência de Deus, o homem, desde que aceite como premissa a sua
existência, pode, pelo raciocínio, chegar a conhecer-lhe os atributos
necessários, porquanto, vendo o que ele absolutamente não pode ser, sem deixar
de ser Deus, deduz daí o que ele deve ser.
Sem o
conhecimento dos atributos de Deus, impossível seria compreender-se a obra da
Criação; esse o ponto de partida de todas as crenças
religiosas e é por não se terem reportado a isso, como ao farol capaz de as
orientar, que a maioria das religiões errou em seus dogmas.
As que não atribuíram a Deus a onipotência imaginaram muitos deuses; as que não
lhe atribuíram soberana bondade fizeram dele um Deus cioso, colérico, parcial e
vingativo.
Deus é a
suprema e soberana inteligência. É limitada a inteligência
do homem, pois que não pode fazer, nem compreender tudo o que existe; a de
Deus, abrangendo o infinito, tem que ser infinita. Se a
supuséssemos limitada num ponto qualquer, poderíamos conceber outro ser mais
inteligente, capaz de compreender e fazer o que o primeiro não faria e assim
por diante, até ao infinito.
Deus é
eterno, isto é,
não teve começo e não terá fim. Se tivesse tido
princípio, houvera saído do nada; ora, não sendo o nada
coisa alguma, coisa nenhuma pode produzir; ou, então,
teria sido criado por outro ser anterior e, nesse caso, este ser é que seria
Deus. Se lhe supuséssemos um começo ou fim, poderíamos
conceber uma entidade existente antes dele e capaz de lhe sobreviver, e assim
por diante, ao infinito.
Deus é
imutável. Se
estivesse sujeito a mudanças, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o
Universo.
Deus é
imaterial, isto é,
a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria; de outro modo, não seria imutável, pois estaria sujeito às
transformações da matéria.
Deus
carece de forma apreciável pelos nossos sentidos, sem o que seria matéria. Dizemos: a mão de Deus, o olho de Deus, a boca de Deus, porque
o homem, nada mais conhecendo além de si mesmo, toma a si próprio por termo de
comparação para tudo o que não compreende. São
ridículas essas imagens em que Deus é representado pela figura de um ancião de
longas barbas e envolto num manto; elas têm o inconveniente de rebaixar o Ente
supremo até às mesquinhas proporções da humanidade; daí
a lhe emprestarem as paixões humanas e a fazerem-no um Deus colérico e cioso
não vai mais que um passo.
Deus é
onipotente. Se não
possuísse o poder supremo, sempre se poderia conceber uma entidade mais
poderosa e assim por diante, até chegar-se ao ser cuja potencialidade nenhum
outro ultrapassasse, e esse então, é que seria Deus.
Deus e
soberanamente justo e bom. A providencial sabedoria das leis divinas se
revela nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, não permitindo essa
sabedoria que se duvide da sua justiça, nem da sua bondade.
O fato de
ser infinita uma qualidade, exclui a possibilidade de uma qualidade contrária,
porque esta a apoucaria ou anularia. Um ser
infinitamente bom não poderia conter a mais insignificante parcela de
malignidade, nem o ser infinitamente mau conter a mais insignificante parcela
de bondade, do mesmo modo que um objeto não pode ser de um negro absoluto, com
a mais ligeira nuança de branco, nem de um branco absoluto com a mais pequenina
mancha preta.
Deus,
pois, não poderia ser simultaneamente bom e mau, porque então, não possuindo
qualquer dessas duas qualidades no grau supremo, não seria Deus; todas as
coisas estariam sujeitas ao seu capricho e para nenhuma haveria estabilidade. Não poderia ele, por conseguinte, deixar de ser ou
infinitamente bom ou infinitamente mau; ora, como suas obras dão testemunho da
sua sabedoria, da sua bondade e da sua solicitude, concluir-se-á que, não
podendo ser ao mesmo tempo bom e mau sem deixar de ser Deus, ele
necessariamente tem de ser infinitamente bom.
A
soberana bondade implica a soberana justiça, porquanto, se ele procedesse
injustamente ou com parcialidade numa só circunstância que fosse,
ou com relação a uma só de suas criaturas, já não seria
soberanamente justo e, em consequência, já não seria soberanamente bom.
Deus
é infinitamente perfeito. É impossível conceber-se Deus sem o infinito
das perfeições, sem o que não seria Deus, pois sempre se poderia conceber um
ser que possuísse o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa ultrapassá-lo,
faz-se mister que ele seja infinito em tudo.
Sendo
infinitos, os atributos de Deus não são suscetíveis nem de aumento, nem de
diminuição, visto que do contrário não seriam infinitos e Deus não seria
perfeito. Se lhe tirassem a qualquer dos atributos a
mais mínima parcela, já não haveria Deus, pois que poderia existir um ser mais
perfeito.
Deus é
único. A unicidade de Deus é consequência do fato de serem infinitas
as suas perfeições. Não poderia existir outro Deus,
salvo sob a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas, visto que,
se houvesse entre eles a mais ligeira diferença, um seria inferior ao outro,
subordinado ao poder desse outro e, então, não seria Deus. Se
houvesse entre ambos igualdade absoluta, isso equivaleria a existir, de toda
eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder. Confundidos
assim, quanto à identidade, não haveria, em realidade, mais que um único Deus. Se cada um tivesse atribuições especiais, um não faria o que o
outro fizesse; mas, então, não existiria igualdade perfeita entre eles, pois
que nenhum possuiria a autoridade soberana.
A
ignorância do princípio de que são infinitas as perfeições de Deus foi que
gerou o politeísmo, culto adotado por todos os povos primitivos, que davam o
atributo de divindade a todo poder que lhes parecia acima dos poderes inerentes
à humanidade; mais tarde, a razão os levou a reunir
essas diversas potências numa só. Depois, à proporção
que os homens foram compreendendo a essência dos atributos divinos, retiraram
dos símbolos, que haviam criado, a crença que implicava a negação desses
atributos.
Em
resumo, Deus não pode ser Deus, senão sob a condição de que nenhum outro o
ultrapasse, porquanto o ser que o excedesse no que quer que fosse, ainda que
apenas na grossura de um cabelo, é que seria o verdadeiro Deus; para que tal não se dê, indispensável se torna que ele seja
infinito em tudo.
É assim
que, comprovada pelas suas obras a existência de Deus, por simples dedução
lógica se chega a determinar os atributos que o caracterizam.
Deus é,
pois, a inteligência suprema e soberana, é único, eterno, imutável, imaterial,
onipotente, soberanamente justo e bom, infinito em todas as perfeições, e não pode ser diverso disso.
Tal o
eixo sobre que repousa o edifício universal; esse o
farol cujos raios se estendem por sobre o Universo inteiro, única luz capaz de
guiar o homem na pesquisa da verdade; orientando-se por essa luz, ele nunca se
transviará. Se, portanto, o homem há errado tantas
vezes, é unicamente por não ter seguido o roteiro que lhe estava indicado.
Tal
também o critério infalível de todas as doutrinas filosóficas
e religiosas; para apreciá-las, dispõe o homem de uma medida rigorosamente
exata nos atributos de Deus e pode afirmar a si mesmo que toda teoria,
todo princípio, todo dogma, toda crença, toda prática que estiver em
contradição com um só que seja desses atributos, que tenda não tanto a
anulá-lo, mas simplesmente a diminuí-lo, não pode estar com a verdade.
Em
filosofia, em psicologia, em moral, em religião, só há de verdadeiro o que não
se afaste, nem um til, das qualidades essenciais da Divindade. A
religião perfeita será aquela de cujos artigos de fé nenhum
esteja em oposição àquelas qualidades; aquela cujos dogmas todos suportem a
prova dessa verificação sem nada sofrerem.
A
providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas. Ele está em toda
parte, tudo vê, a tudo preside, mesmo às coisas mais mínimas; é nisto que
consiste a ação providencial.
“Como pode Deus, tão grande, tão poderoso, tão
superior a tudo, imiscuir-se em pormenores ínfimos, preocupar-se com os menores
atos e os menores pensamentos de cada indivíduo?” — Esta a interrogação que a
si mesmo dirige o incrédulo, concluindo por dizer que, admitida a existência de
Deus, só se pode admitir, quanto à sua ação, que ela se exerça sobre as leis
gerais do Universo; que este funcione de toda a eternidade em virtude dessas
leis, às quais toda criatura se acha submetida na esfera de suas atividades,
sem que haja mister a intervenção incessante da Providência.”
No estado
de inferioridade em que ainda se encontram, só muito dificilmente podem os
homens compreender que Deus seja infinito; vendo-se limitados e circunscritos,
eles o imaginam também circunscrito e limitado; imaginando-o circunscrito,
figuram-no quais eles são, à imagem e semelhança deles. Os
quadros em que o vemos com traços humanos não contribuem pouco para entreter
esse erro no espírito das massas, que nele adoram mais a forma que o
pensamento. Para a maioria, é ele um soberano poderoso,
sentado num trono inacessível e perdido na imensidade dos
céus; tendo restritas suas faculdades e percepções, não
compreendem que Deus possa e se digne de intervir diretamente nas pequeninas
coisas.
Impotente
para compreender a essência mesma da Divindade, o homem não pode fazer dela
mais do que uma ideia aproximativa, mediante comparações necessariamente muito
imperfeitas, mas que, ao menos, servem para lhe mostrar a possibilidade daquilo
que, à primeira vista, lhe parece impossível.
Suponhamos
um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos; sendo
ininteligente, esse fluido atua mecanicamente, por meio tão só das forças
materiais; se, porém, o supusermos dotado de inteligência, de faculdades perceptivas
e sensitivas, ele já não atuará às cegas, mas com discernimento, com vontade e
liberdade: verá, ouvirá e sentirá.
As
propriedades do fluido perispirítico dão-nos disso uma ideia. Ele não é de si mesmo inteligente, pois que é matéria, mas
serve de veículo ao pensamento, às sensações e percepções do Espírito.
Esse
fluido não é o pensamento do Espírito; é, porém, o agente e o intermediário
desse pensamento; sendo quem o transmite, fica, de
certo modo, impregnado do pensamento transmitido; e, na impossibilidade em que nos achamos de o isolar, a
nós nos parece que ele, o pensamento, faz corpo com o fluido, que com este se
confunde, como sucede com o som e o ar, de maneira que podemos, a bem dizer,
materializá-lo. Assim como dizemos que o ar se torna
sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa, dizer que o fluido se torna
inteligente.
Seja ou
não assim no que concerne ao pensamento de Deus, isto é, quer o pensamento de
Deus atue diretamente, quer por intermédio de um fluido, para facilitarmos a
compreensão à nossa inteligência, figuremo-lo sob a forma concreta de um fluido
inteligente que enche o universo infinito e penetra todas as partes da criação: a
Natureza inteira mergulhada no fluido divino; ora,
em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza e têm
as mesmas propriedades que ele, cada átomo desse fluido, se assim nos podemos
exprimir, possuindo o pensamento, isto é, os atributos essenciais da Divindade
e estando o mesmo fluido em toda parte, tudo está submetido à sua ação
inteligente, à sua previdência, à sua solicitude; nenhum ser haverá, por mais
ínfimo que o suponhamos, que não esteja saturado dele. Achamo-nos
então, constantemente, em presença da Divindade; nenhuma das nossas ações lhe
podemos subtrair ao olhar; o nosso pensamento está em contato ininterrupto com
o seu pensamento, havendo, pois, razão para dizer-se que Deus vê os mais
profundos refolhos do nosso coração. Estamos nele,
como ele está em nós, segundo a palavra do Cristo. (Jo)
Para
estender a sua solicitude a todas as criaturas, não precisa Deus lançar o olhar
do alto da imensidade; as nossas preces, para que ele
as ouça, não precisam transpor o espaço, nem ser ditas com voz retumbante, pois
que, estando de contínuo ao nosso lado, os nossos pensamentos repercutem nele. Os nossos pensamentos são como os sons de um sino, que fazem
vibrar todas as moléculas do ar ambiente.
Longe de
nós a ideia de materializar a Divindade; a imagem de um fluido inteligente
universal evidentemente não passa de uma comparação apropriada a dar de Deus
uma ideia mais exata do que os quadros que o apresentam debaixo de uma figura
humana; destina-se ela a fazer compreensível a possibilidade que tem Deus de
estar em toda parte e de se ocupar com todas as coisas.
Temos
constantemente sob as vistas um exemplo que nos permite fazer ideia do modo por
que talvez se exerça a ação de Deus sobre as partes mais íntimas de todos os
seres e, conseguintemente, do modo por que lhe chegam as mais sutis impressões
de nossa alma. Esse exemplo tiramo-lo de certa instrução que a tal respeito deu
um Espírito.
O
homem é um pequeno mundo, que tem como diretor o Espírito e como dirigido o
corpo. Nesse universo, o corpo representará uma criação
cujo Deus seria o Espírito. (Compreendei bem que aqui há uma simples questão de
analogia e não de identidade.) Os membros desse corpo,
os diferentes órgãos que o compõem, os músculos, os nervos, as articulações são
outras tantas individualidades materiais, se assim se pode dizer, localizadas
em pontos especiais do referido corpo; se bem seja considerável o número de
suas partes constitutivas, de natureza tão variada e diferente, a ninguém é
lícito supor que se possam produzir movimentos, ou uma impressão em qualquer
lugar, sem que o Espírito tenha consciência do que ocorra. Há
sensações diversas em muitos lugares simultaneamente? O Espírito as sente
todas, distingue, analisa, assina a cada uma a causa determinante e o ponto em
que se produziu, tudo por meio do fluido perispirítico.
“Análogo
fenômeno ocorre entre Deus e a Criação. Deus está em
toda parte, na Natureza, como o Espírito está em toda parte, no corpo; todos os elementos da Criação se acham em relação
constante com ele, como todas as células do corpo humano se acham em contato
imediato com o ser espiritual; não há, pois, razão para
que fenômenos da mesma ordem não se produzam de maneira idêntica, num e noutro
caso.
“Um membro se agita: o Espírito o sente; uma
criatura pensa: Deus o sabe. Todos os membros estão em
movimento, os diferentes órgãos estão a vibrar; o Espírito ressente todas as
manifestações, as distingue e localiza. As diferentes
criações, as diferentes criaturas se agitam, pensam, agem diversamente: Deus
sabe o que se passa e assina a cada um o que lhe diz respeito.
“Daí se
pode igualmente deduzir a solidariedade da matéria e da inteligência, a
solidariedade entre si de todos os seres de um mundo, a de todos os mundos e,
por fim, de todas as criações com o Criador.” (Quinemant —
Sociedade Espírita de Paris, 1867.)
Compreendemos
o efeito: já é muito; do efeito remontamos à causa e
julgamos da sua grandeza pela do efeito; escapa-nos,
porém, a sua essência íntima, como a da causa de uma imensidade de fenômenos. Conhecemos os efeitos da eletricidade, do calor, da luz,
da gravitação; calculamo-los e, entretanto, ignoramos a natureza íntima do
princípio que os produz. Será então racional neguemos o
princípio divino, por que não o compreendemos?
Nada
obsta a que se admita, para o princípio da soberana inteligência, um centro de
ação, um foco principal a irradiar incessantemente, inundando o Universo com
seus eflúvios, como o Sol com a sua luz. Mas onde esse
foco? É o que ninguém pode dizer. Provavelmente, não se
acha fixado em determinado ponto, como não o está a sua ação, sendo também
provável que percorra constantemente as regiões do espaço sem-fim. Se simples Espíritos têm o dom da ubiquidade, em Deus há de ser
sem limites essa faculdade. Enchendo Deus o Universo,
poder-se-ia ainda admitir, a título de hipótese, que esse foco não precisa
transportar-se, por se formar em todas as partes onde a soberana vontade julga
conveniente que ele se produza, donde o poder dizer-se que está em toda parte e
em parte nenhuma.
Diante
desses problemas insondáveis, cumpre que a nossa razão se humilhe. Deus existe: disso não poderemos duvidar; é
infinitamente justo e bom: essa a sua essência; a tudo
se estende a sua solicitude: compreendemo-lo; só o
nosso bem, portanto, pode ele querer, donde se segue que devemos confiar nele:
é o essencial; quanto ao mais, esperemos que nos
tenhamos tornado dignos de o compreender.
Se Deus
está em toda parte, por que não o vemos? Vê-lo-emos quando deixarmos a Terra?
Tais as perguntas que se formulam todos os dias.
À
primeira é fácil responder; por serem limitadas as percepções dos nossos órgãos
visuais, elas os tornam inaptos à visão de certas coisas, mesmo materiais. É assim que alguns fluidos nos fogem totalmente à visão e aos
instrumentos de análise; entretanto, não duvidamos da existência deles. Vemos os efeitos da peste, mas não vemos o fluido que a
transporta; vemos os corpos em movimento sob a influência da força de
gravitação, mas não vemos essa força.
Os nossos
órgãos materiais não podem perceber as coisas de essência espiritual;
unicamente com a visão espiritual é que podemos ver os Espíritos e as coisas do
mundo imaterial; somente a nossa alma, portanto, pode
ter a percepção de Deus. Dar-se-á que ela o veja logo
após a morte? A esse respeito, só as comunicações de além-túmulo nos podem
instruir. Por elas sabemos que a visão de Deus
constitui privilégio das mais purificadas almas e que bem poucas, ao deixarem o
envoltório terrestre, se encontram no grau de desmaterialização necessária a
tal efeito. 5 Uma comparação
vulgar o tornará facilmente compreensível.
Uma
pessoa que se ache no fundo de um vale, envolvido por densa bruma, não vê o
Sol. Entretanto, pela luz difusa, percebe que está fazendo sol. Se entra a
subir a montanha, à medida que for ascendendo, o nevoeiro se irá tornando mais
claro, a luz cada vez mais viva. Contudo, ainda não verá o Sol. Só depois que
se haja elevado acima da camada brumosa e chegado a um ponto onde o ar esteja
perfeitamente límpido, ela o contemplará em todo o seu esplendor.
O mesmo
se dá com a alma. O envoltório perispirítico, conquanto nos seja invisível e
impalpável, é, com relação a ela, verdadeira matéria, ainda grosseira demais
para certas percepções. Ele, porém, se espiritualiza, à
proporção que a alma se eleva em moralidade. As
imperfeições da alma são quais camadas nevoentas que lhe obscurecem a visão;
cada imperfeição de que ela se desfaz é uma mácula a menos; todavia, só depois
de se haver depurado completamente é que goza da plenitude das suas faculdades.
Sendo
Deus a essência divina por excelência, unicamente os Espíritos que atingiram o
mais alto grau de desmaterialização o podem perceber. Pelo
fato de não o verem, não se segue que os Espíritos imperfeitos estejam mais
distantes dele do que os outros; 3 esses
Espíritos, como os demais, como todos os seres da Natureza, se encontram
mergulhados no fluido divino, do mesmo modo que nós o estamos na luz; o que há é que as imperfeições daqueles Espíritos são
vapores que os impedem de vê-lo; quando o nevoeiro se dissipar, vê-lo-ão
resplandecer; para isso, não lhes é preciso
subir, nem procurá-lo nas profundezas do infinito; desimpedida a visão
espiritual das belidas que a obscureciam, eles o verão de todo lugar onde se
achem, mesmo da Terra, porquanto Deus está em toda parte.
O
Espírito só se depura com o tempo, sendo as diversas encarnações o alambique em
cujo fundo deixa de cada vez algumas impurezas. Com o
abandonar o seu invólucro corpóreo, os Espíritos não se despojam instantaneamente
de suas imperfeições, razão por que, depois da morte, não veem a Deus mais do
que o viam quando vivos; mas, à medida que se depuram, têm dele uma intuição
mais clara; não o veem, mas compreendem-no melhor: a luz é menos difusa. Quando, pois, alguns Espíritos dizem que Deus lhes proíbe
respondam a uma dada pergunta não é que Deus lhes apareça, ou dirija a palavra,
para lhes ordenar ou proibir isto ou aquilo, não; eles, porém, o sentem;
recebem os eflúvios do seu pensamento, como nos sucede com relação aos
Espíritos que nos envolvem em seus fluidos, embora não os vejamos.
Nenhum
homem, conseguintemente, pode ver a Deus com os olhos da carne. Se essa graça fosse concedida a alguns, só o seria no
estado de êxtase, quando a alma se acha tão desprendida dos laços da matéria
que torna possível o fato durante a encarnação. Tal
privilégio, aliás, exclusivamente pertenceria a almas de eleição, encarnadas em
missão, que não em expiação. Mas, como os
Espíritos da mais elevada categoria refulgem de ofuscante brilho, pode dar-se
que Espíritos menos elevados, encarnados ou desencarnados, maravilhados com o
esplendor de que aqueles se mostram cercados, suponham estar vendo o próprio
Deus. É como quem vê um ministro e o toma pelo seu soberano.
Sob que aparência se apresenta
Deus aos que se tornaram dignos de vê-lo? Será sob uma forma qualquer? Sob uma
figura humana, ou como um foco de resplendente luz? A
linguagem humana é impotente para dizê-lo, porque não existe para nós nenhum
ponto de comparação capaz de nos facultar uma ideia de tal coisa; somos quais
cegos de nascença a quem procurassem inutilmente fazer compreendessem o brilho
do Sol. A nossa linguagem é limitada pelas nossas
necessidades e pelo círculo das nossas ideias; a dos selvagens não poderia
descrever as maravilhas da civilização; a dos povos mais civilizados é
extremamente pobre para descrever os esplendores dos céus, a nossa inteligência
muito restrita para os compreender e a nossa vista, por muito fraca, ficaria
deslumbrada.
Fonte:
Kardec, Allan . A Gênese. Capítulo II
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